A casa e a Tatarena
(Foto: Duda Bentes).
Nasci e vivi até 18 anos nessa casa à beira de uma estrada, recuada, com um vasto gramado na frente. No meio, uma árvore enorme chamada Tatarena, da família do pau-ferro.
Tronco pelado, esbranquiçado, folhagem miúda e densa. Árvore forte, de copa arredondada, sempre verde. Desafiava os longos períodos de seca. Enfrentou raios e ventos fortes nas tempestades.
Tatarena enverga, mas não quebra. Do tupi guarani, tatarena quer dizer semelhante ao fogo.
Lampião deu o nome de Tatarana ao cangaceiro que ele mais confiava. Guimarães Rosa também deu o nome Tatarana a um de seus personagens de Grande Sertão: veredas.
No livro, quando Riobaldo entrou para o bando de jagunços, foi batizado com o nome Tatarana, por ele ser o melhor de todos na pontaria. Em Minas Gerais, diz-se Tatarana. Na Bahia, Tatarena.
A árvore era ponto certo dos cavaleiros que passavam pela estrada, no passo mole, viajeiro, vindos de longe, serpenteando montanhas e planícies.
Às vezes paravam para descansar na sombra fresca, fazer uma visitinha. Amarravam os cavalos na Tatarena, entravam porta adentro para beber água, tomar café, prosear um pouco. O tempo não era do relógio, mas da prosa.
Portas e janelas abertas o dia inteiro, não sumia uma agulha sequer. Ninguém tocava em nada do outro. Apesar da intimidade, da liberdade, muito respeito à casa dos outros.
Era até cerimonioso. Na frente da casa, se chegasse alguém, logo ia-se ao encontro para receber. Firmava o bridão do cavalo e a cabeça do arreio, para o equilíbrio na hora de apear ou de montar, quando ia-se embora.
Como de costume, ao cumprimentar, num gesto de gentileza, tiravam os chapéus e davam-se as mãos.
Eram matutos. Os matuto são nossos sábios do sertão profundo.
Outro dia recebi a noticia que a Tatarena tombou, vencida por parasitas que lhes sugaram a seiva até a morte, e pelo tempo.
A Tatarena deu sombra e alegria a muita gente. Descanso e paz aos animais.
Soube também que nasceu um broto dela, no mesmo lugar. Forte como a mãe.