Era janeiro de 1984

Ele, magrinho, branquinho, meio calvo. Um fiapo de gente, encostado num poste em frente a uma galeria, na Avenida Visconde de Pirajá, em Ipanema.
 
Vestia uma camisa branca de mangas curtas, para dentro da calça bege, folgada, de cós bem alto, cinto preto, sapatos mocassim, sem meia, também pretos, e os inconfundíveis óculos de tartaruga, de aros grossos.
 
Numa mão, carregava jornais e revistas espremidos contra o peito. Olhar atento, para o fundo da rua, esperava alguém que viria buscá-lo, de carro.
 
Eu também esperava alguém que viria me buscar.
 
De repente ele colocou o jornal e a revista sobre a cabeça para se proteger do sol. Ao fazer isso, virou-se na minha direção, olhou para mim e se reacomodou no encosto do poste.
 
Como eu estava relativamente próximo, num impulso, disse:
 
– bom dia seu Carlos!
 
Ele respondeu:
 
– bom dia, como vai o senhor!
 
Fiquei mudo e tomado por um turbilhão de pedaços de poemas dele, das entrevistas que li e vi na TV.
 
A voz frágil, meio entalada, familiar, a mesma dos versos doces e fortes como aço, que ele andou espalhando por aí.
 
Em seguida chegou o carro que esperava.
 
Gentilmente despediu-se de mim:
 
– até logo!
 
E eu, ali, tentando lidar com a emoção, respondi:
 
– até logo seu Carlos!
Meus olhos acompanharam os passos dele até o carro com o máximo da atenção, mirando os detalhes das roupas , o jeito dele andar, como abriu a porta e entrou, até desaparecer no intenso trânsito da rua.
 
Fiz isso para guardar um pouco dele comigo e nunca mais esquecer daquele instante com o poeta.
Era o poeta Carlos Drumond de Andrade.
 
Era janeiro de 1984.

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