Lonnie Johnson tirou a guitarra da cozinha e colocou na sala de visitas



Luiz Clementino
8 de maio às 11:44
 

 

O sentimento que emana dos BLUES expressa-se em facetas distintas e peculiares de cada região. O som do DELTA MISSISSIPI é puro lamento uma mágoa profunda que toca em cheio nossos corações. No TEXAS, como também na CALIFORNIA, desenvolveu-se um canto mais leve, menos dramático e mais alegre do que no sul. E o interessante é que nessas diversas localidades a estrutura musical é a mesma.

Então, porque se dá essa visível diferença de interpretação sentimental sonora?

Na pesquisa histórica de música afro, os estudiosos afirmam que, infelizmente os escravos do sul foram muito maltratados, viviam em um estado de isolamento rígido, favorecendo uma melodia e um canto denso. Para se ter idéia, o negro para se manter vivo teria, no mínimo, que ser bom trabalhador. Enquanto que, na costa leste, o racismo e a segregação foram menos severos proporcionando assim, condições de vida mais leves para os negros, fato esse que se refletiria na música.

E neste contexto de blues regional, houve também um som diferenciado na cidade de NOVA ORLEANS, no estado sulista de Louisiane, banhada pelo Golfo do México. Neste centro urbano fundado pelos franceses, desenvolveu-se uma mistura de culturas europeias, latino-americanas, afro-americanas, asiáticas e irlandesas. Essa miscigenação étnica foi o berço do jazz.

De acordo com o estudo de MARIA CRISTINA AGUIAR, docente na Escola Superior de Educação e no Conservatório Regional de Música Dr. José Azeredo Perdigão, em Viseu, e CLÁUDIA CRISTINA MARQUES VASCONCELOS BORGES, professora de Formação Musical na Academia de Música de Vilar de Paraíso, tem-se:
O Blues, o Ragtime, a música Gospel e o Spiritual criaram uma estrutura musical definida e com sólida conformação artística e popular, tornando-a plenamente viável: o Jazz.

Na verdade, o jazz era ouvido, inicialmente, nos eventos sociais: bailes, piqueniques, inaugurações, aniversários, casamentos e em desfiles fúnebres. A banda saía da igreja tocando marchas fúnebres até o cemitério, e na volta ia acelerando o ritmo e entoando temas alegres.

Os músicos destas bandas de jazz eram maioritariamente artesãos (carpinteiros, pedreiros, alfaiates…) que faziam música nos feriados e fins de semana para aumentar o rendimento familiar. Se em algumas cidades os escravos eram maltratados, em New Orleans, no Estado de Louisiana, colonizada predominantemente por franceses e espanhóis, estes eram tratados com um pouco mais de brandura, ou com menos rigor. Aqui não foram confiscados os instrumentos musicais e os escravos podiam exercitar as suas práticas artísticas de uma forma mais livre.

O pesquisador G.Herzahaft escreve:
“a música forjada em Nova Orleans quase não apresenta analogias com o BLUES do TEXAS ou do MISSSISSIPI. Cidade aberta para as Caraíbas e o México, Nova Orleans, acolheu, é claro, muitos migrantes negros vindos do campo, com suas tradições musicais próprias, mas diluiu-os imediatamente no seio de uma rede de influências diversas: franco-acadiana, espanhola, creola, anglo-saxônica. Por esse grande porto cosmopolita, um dos primeiros portos internacionais da América, conheceu muito cedo a emergência de uma burguesia negra, opulenta e indulgente, que reflete bem na tradição jazzística da cidade”.

Os historiadores afirmam, que até então a cultura desenvolvida naquela região foi influenciada pelos acontecimentos do século XIII, época do Iluminismo. Na França, neste período, a música era caracterizada pela claridade, simetria e equilíbrio.

 

 

Consequentemente, a região de Lousiane importou o refinamento sonoro, que miscigenado com a cultura afro-escravagista resultou no Jazz e em um Blues mais bem elaborado do que o do Mississipi.

E aconteceu que, nesta conjuntura jazzística surgiu a arte de LONNIE JOHNSON. Atípico bluesman, solos simples e lindíssimos de guitarra influenciou renomados músicos de jazz e blues, como Django Reinhardt, T-Bone Walker e nada mais nada menos que o fantástico BB KING. Se prestarmos atenção, vemos claramente de onde veio o solo aveludado e requintado do rei dos blues.

Quando se ouve LONNIE JOHNSON pela primeira vez fica-se fascinado. Ao pesquisá-lo no mundo dos blues facilmente é encontrado. Sua importância é destacada pelos estudiosos e por músicos da música negra e de outros gêneros.

Agora, porque esse artista é tão admirado e diferenciado?
Como a obra musical, vale mais que um trilhão de palavras, confiram sua requintada performance, com a apresentação carismática do chefe de cerimonia:
http://www.youtube.com/watch?v=n8fyb9vpIc0 – Another Night To Cry

Muito se escreveu sobre LONNIE JOHNSON. Cito o estudioso de blues Gérard H. que diz:
“….Saído de uma família abastada, se impôs rapidamente como músico versátil e completo. Praticando com maestria o violino e o piano, foi sobretudo como guitarrista que seu nome passou à prosperidade: tirou a guitarra de seu papel de acompanhamento orquestral para fazer dela um instrumento , que obteve o sucesso que sabemos em toda a música moderna…Acompanhou inúmeros cantores ou orquestras, LOUIS ARMSTRONG, DUKE ELLINGTON, EDDIE LANG, VICTORIA SPIVEY, etc….Exerceu também seu talento em todo o país, de Nova Orleans a Chicago e de Saint Louis a Nova Yorque….tem importância essencial em toda a história da música popular do século XX, parece atualmente evidente.”

Bob Dylan descreve seus encontros com Johnson em Nova York:
“Tive a sorte de conhecer Lonnie Johnson no mesmo clube em que eu estava trabalhando e devo dizer que ele muito me influenciou. Minha canção “Corrina, Corrina” é muito Lonnie Johnson. Eu costumava vê-lo em cada chance que eu tinha e às vezes ele me deixava brincar com ele. Acho que Lonnie Johnson e Tampa Red e, claro, Scrapper Blackwell , fazem meu estilo de tocar guitarra. Penso, também, que Robert Johnson aprendeu muito com Lonnie. Algumas das canções de Robert são como novas versões de músicas gravadas por Lonnie.”

Músicos notáveis contemporâneos de LONNIE JONHSON, pertencentes a mesma patota e com característica sonora comuns, tocaram e gravaram várias peças juntos, em belas harmonias:
VICTORIA SPIVEIS, cantora de blues-jazz não somente acompanhou LONNIE JOHNSON, como também LOUIS ARMSTRONG e outros. Gravou muitas canções próprias.

https://www.youtube.com/watch?v=lmtRoM7q5wA com VICTORIA SPIVEIS,

https://www.youtube.com/watch?v=7EesaWy0FKo com LOUIS ARMSTRONG

EDDIE LANG, músico fantástico, foi o primeiro guitarrista importante de jazz. Inovador e moderno para a época, muitas vezes foi chamado “o pai da guitarra do Jazz”.

https://www.youtube.com/watch?v=3iPA7oNRr5o com EDDIE LANG

Em 2011 WYNTON MARSALIS e ERIC CLAPTON, gravaram ao vivo um CD/DVD na casa de show Rose Theater em Nova York, um encontro do rock com o jazz. No repertório, performances fantásticas, dentre elas uma composição de LONNIE JOHNSON, a belíssima CARELESS LOVE.

Tudo em clima de festa, muita curtição e respeito mútuo.
https://www.youtube.com/watch?v=ThjNXVHxwWc ERIC CLAPTON careless love

Creio que seja escusado expressar em palavras o encanto desse músico. É preciso ouvi-lo urgente, voz e guitarra para melhorarmos ainda mais o nosso dia. Como já foi dito, seu toque é simples, elegante, requintado e carregado de emoção, somada à sua voz nobre, tem-se um conjunto bem acabado. É um virtuoso no gênero. Músico carismático, educado com a plateia, cara sublime e magnifico. Em suas interpretações, o lamento e o “banzo” da mãe África não é tão acentuado.

Muito obrigado e até a próxima
Luiz Clementino
BSB MAIO/2018

PS -1 consta na internet:
Em março de 1969, LONNIE JOHNSON foi atropelado por um carro enquanto andava em uma calçada em Toronto. Johnson ficou gravemente ferido, sofrendo uma fratura no quadril e lesões renais. Um show beneficente foi realizada em 4 de maio de 1969, com duas dezenas de atos, incluindo Ian e Sylvia , John Lee Hooker e Hagood Hardy . Johnson nunca se recuperou completamente de seus ferimentos e sofreu o que foi descrito como um acidente vascular cerebral, em agosto. Ele foi capaz de retornar ao palco para uma apresentação no Massey Hall, em 23 de Fevereiro de 1970, andando com a ajuda de uma bengala para cantar algumas músicas com Buddy Guy e recebendo uma ovação de pé. Ele morreu em 16 de junho de 1970 e foi sepultado em Mount Hope Cemetery , em Toronto. Em 1997, Johnson foi postumamente introduzido no Louisiana blues Hall of Fame.

OUÇAM:

http://www.youtube.com/watch?v=HPnnA7R_avQ summertime
http://www.youtube.com/watch?v=0CmmB-HhbAk
http://www.youtube.com/watch?v=yMHRQsMZuA0&playnext=1&list=PLA3E8EB82D2E8459F
http://www.youtube.com/watch?v=IBw91C8CmKM swingin the blues
https://www.youtube.com/watch?v=5q2YWl8GwQU

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