Bob Dylan, na asa do vento

Luiz Clementino
21 de junho às 21:28

PRÓLOGO


Na década de 1960, o clima artístico nos USA, apresentava um cenário voltado à igualdade racial e de direitos. A guerra no Vietnã era contestada, onde aviões B-29 disparavam toneladas de bombas em populações civis, semeando morte e destruição. Milhares de jovens norte-americanos eram recrutados, e morriam sem nunca entender o porquê de tanta violência.


• O pastor Martin Luther King tinha um sonho, que todos cidadãos fossem iguais. Malcom X, defensor do Nacionalismo Negro, lutava a favor dos direitos dos negros. O cantor folk Peter Seguer e a bela chicana Joan Baez trovejavam as injustiças. Jack Koreac e Allen Ginsberg inovavam na literatura pop. No esporte, o fabuloso Classius Clay recusou sua convocação para guerra e renegou seu nome norte-americano, adotando o nome islâmico Muhammad Ali-Haj. No cinema, Marlon Brando e Montgomery Clift mostravam nova forma de atuar pelo método da famosa escola de arte cênica Actors Studio.


Surge o incomparável fenômeno musical, The Beatles, inovando todo o cenário pop internacional, enquanto os Rolling Stones apresentavam um revival de blues raiz do Mississipi, eram jovens branquelos cantando como negros.


Era época de quebrar as regras, de liberdade de expressão, de contestar, de viver livres das amarras convencionais de uma sociedade capitalista.


Então neste contexto, surge encantando a todos, um garoto franzino de olhos azuis, com violão, gaita e voz, cantando lindos poemas em defesa dos direitos civis, no mais puro revival folk raiz. E o fascínio foi tão grande que todo esse movimento artístico rebelde, encharcado de insatisfação contra o establishment é afunilado em sua pessoa e em sua bela arte.


E não deu outra. Bob Dylan foi adorado e venerado, tornando-se um ícone da elite folk. Sua fama cresceu e foi além das fronteiras, chegando em todo o planeta. Todos queriam saber sua procedência. E em seu primeiro e estupendo sucesso, DYLAN cantava em versos:

“Quantas estradas um homem precisará
Até que possam chamá-lo de homem?
Sim, e quantos mares uma pomba branca precisará voar
Até que ela possa descansar na areia?
Sim, e quantas balas de canhão precisarão voar
Até serem banidas para sempre?”


E o fato é que a música “Blowin in The Wind” representou e representa a abominação à violência social em todo o mundo. E outra coisa, como o tempo atua em favor dos artistas, essa canção, com o passar de décadas cresceu, consolidou-se e hoje é um hino poderoso e atual.


E nós geração de adolescentes, que vivemos a época, a coisa ficou cravada para sempre em nossos corações e mentes. Até hoje nos encanta.


Muitos grandes cantores a gravaram. Aqui no Brasil, Zé Ramalho e Diana Pequeno cantaram suas versões. Dentre muitos, selecionamos as versões do maravilhoso Trio Peter, Paul and Mary e também a versão original do próprio Dylan, com violão gaita e voz anasalada. Por favor não deixem de conferir, impossível não se emocionar:

https://www.youtube.com/watch?v=aJE9rMZm-zE Peter, Paul and Mary
https://www.youtube.com/watch?v=MMFj8uDubsE original
https://www.youtube.com/watch?v=Ocd8bM5L3oQ
Bob Dylan completou 74 anos mês passado. Agora, em nova turnê, documentada novamente em filme de Martin Scorsese, “Rolling Sthunder Revue”, vejam o trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=PS4gsWDSn68

Bob Dylan

Robert Zimmerman, cidadão do mundo, nome artístico BOB Dylan, considerado o maior poeta da história do rock, um cara sério com um fascinante trabalho, porta voz de toda uma geração.

A quintessência da expressão da arte, vive e se mantem ativo em função da sua criação. Porém tudo isso, parece que não é significativo para Dylan, o negócio é criar, inovar, produzir canções e versos belíssimos, o cara é uma lenda viva, um monstro sagrado, ouvido e admirado nos 4 cantos do mundo, admirado e cultuado pela nata da nata do rock.

Autêntico camaleão no cenário musical internacional, artista de mil facetas e de vários estilos musicais, tudo coerente com seus sentimentos. O universo é mutante e dinâmico, DYLAN também é, não há estagnação ou repetição, em sua arte. Maravilhosas canções de outrora, parece que não tem significado para esse músico.

Cantar antigos sucessos, nem pensar, isso é passado, o que importa é próxima criação, é o novo som, que brota do fundo de sua alma, muitas vezes totalmente diferente do anterior, gostem ou não. O cara é uma mina de ouro de altíssimo quilate, onde o veio nunca tem fim.

Em sua longa trajetória, foi um puro cantor e compositor folk de protesto, depois transformou-se em um roqueiro desafiador, quebrando as estruturas tradicionais, gerando espanto e ódio naqueles que o admiravam.

Noutra ocasião era judeu ortodoxo e afirmam que chorou no muro das lamentações em Jerusalém, depois cristão católico fervoroso produzindo álbuns totalmente diferente do anterior, mas com a mesma energia cativante.

Será um niilista ou um homem tentando canalizar a alavanche de sensibilidade que vem através de sua pessoa?

O cara é uma metamorfose ambulante!
O que impressiona em Bob Dylan é que, durante quase meio século, entre seu primeiro disco em 1962 até os atuais, foram em torno de 50 álbuns, fora as coletâneas, seu estilo mudou constantemente: folk, country rock, country, blues, rock, rockabilly, R&B, gospel, soul e reggae e por aí vai. Porém, o som produzido em conjunto com a obra poética, mantém uma qualidade espantosa, muita autencidade, simplicidade, sentimento e beleza. Tudo compatível com uma introspectiva visão particular vigente em cada momento.

Mas para chegar a esse ponto, Dylan teve um grande mestre, que o fascinou e o atingiu como um raio, um músico que lhe abriu uma trilha sólida e determinou que rumo a tomar, seu nome, o Woody Guthrie o lendário trovador. Esse cara era fabuloso, tinha uma consciência social que desafiava o Estado. Cantava contra as injustiças nos sindicatos, nos campos de colheita de algodão, era aliado aos negros, e nas manifestações populares. Para se ter ideia, em seu violão era cravada uma frase: “Máquina de matar fascista”.

A ascendência desse grande artista sobre Bob Dylan no seu período revival folk, foi tão intensa que Dylan se apresentava com a mesma roupagem de seu ídolo, haja visto que suas imagens em um dos primeiros LPs, “The Times They are Changin” foram copiadas de fotos de Woody Guithrie. E em seu primeiro vinil compôs a canção “Song to Woody”:
https://www.youtube.com/watch?v=lOWfCVQBixs

De acordo com seus biógrafos, outras influencias vão desde a tradicional família Carter ao trovador Hank Willians, passando pelos bluesmen do Mississipi, e roqueiros negros até chegar no grande Elvis.

No sentido de melhor assimilar o que vamos comentar a seguir, abro aqui um parênteses. Houve tempos atrás no universo musical, uma batalha homérica entre violão acústico versus guitarra elétrica. A patota do violão não aceitava a guitarra, e vice versa a recíproca era verdadeira.

Aqui no Brasil, por exemplo, a MPB considerava sacrilégio introduzir a guitarra em suas músicas. Quando Caetano Veloso cantou e tocou “Alegria, Alegria”, no Festival da Record no ano de 1967, foi um reboliço sem tamanho. Nos USA a mesma coisa ocorria, o Folk Raiz era somente no violão acústico.

E aconteceu que Bob Dylan, abalando toda estrutura dos artistas puristas do violão acústico, no qual pertencia, muda repentinamente, e ninguém entende pôrra nenhuma. Surge com álbuns eletrificados e nos festivais toca com banda de blues-rock, chocando Deus e o mundo. Uma tragédia não anunciada, e de amado virou odiado. De herói virou traidor, foi chamado de Judas, “filho da puta” e tudo mais, e pagou um preço alto. Seu passado, que ele próprio escondia inventando histórias fantasiosas e estereotipadas, no intuito de construir uma falsa imagem, é desmascarado pela mídia.

Em reportagem sobre sua vida de , visitam sua cidade natal no Natal, e constatam que se trata de um judeu, ou seja, o grande líder de protesto, não passava de um mentiroso. E o tempo fechou para o seu lado com cobranças, pichações, ódio e decepções. Assim, ele esbraveja o refrão na canção “Like a Rolling Stones”:
“você está invisível agora,
você não tem mais segredos a esconder…
como você se sente,
estar completamente desconhecido, sem um lar,
vivendo como as pedras que rolam.”

https://www.youtube.com/watch?v=9JLKOexqyms original
4
Em decorrência de tanta pressão e cobranças, Bob Dylan pira de vez, surta e, para complicar, tem um sério acidente de moto. Aí se retira do cenário pop internacional. Desaparece do mapa, a imprensa especula, investiga e cala, e quem acompanhava seu trabalho, fica apreensivo. Tempos depois aparece em apresentações efêmeras. No festival da ilha Wight, é visível sua insegurança, também teve participação no Concerto beneficentes de Bangladesh, organizado por George Harrison e Ravi Shankar.


Após alguns anos, retorna com carga total em uma turnê que gera um álbum ao vivo “Before the Flood”, com o conjunto canadense The Band. A capa desse vinil é uma bela foto da platéia com velas. O resultado desse trabalho, é de um vigor e uma energia admirável, as baterias foram recarregadas, ele canta com fúria, dedilhando vorazmente a guitarra, como melhor lhe convém, desafiando a tudo e a todos. E por que não? “Eu sou apenas um músico!!!”. Estava livre para voar bem alto.
Daí não teve mais volta. Bob Dylan não olhou mais para trás e nadou e nada hoje num grande oceano de várias maneiras e em muitas profundidades. Diz em entrevistas:
“eu não podia continuar sendo aquele cantor solitário, dedilhando hinos folks acústicos durante três horas todas as noites”.

Outro fato interessante que merece comentário é um seguinte: Em 1973, Bob Dylan compôs a trilha sonora do filme “Pat Garrett e Billy The Kid”, direção de Sam Peckinpah com atuações de James Coburn, Kris Kristofferson , o próprio Dylan e a saudosa atriz mexicana Katy Jurado, entre outros. O tema musical é latino-mexicano com baladas country onde se destaca a belíssima “Knockin’ on Heaven’s Door” :

https://www.youtube.com/watch?v=yjR7_U2u3sM

A produção artística desse músico, é caracterizada pela espontaneidade de sua obra, nada é pautado ou projetado, tudo escoa de um campo não racional. Tentar moldá-lo em padrões intelectuais pré-estabelecidos e exigir continuidade de uma fase, é um grande erro. Deixe o cara trabalhar em sua arte, ele nasceu pra isso, e, ademais, o produto é extremamente gratificante.

Porém, a preocupação com as injustiças permaneceram, quando Dylan abraçou a causa do pugilista Rubin “Hurricane” Carter, condenado injustamente por assassinato. Em uma longa balada com direito a violino, violão e gaita, é narrada a verdadeira história do “furacão”, denunciando a grande sacanagem que aprontaram para um cidadão negro que poderia ser campeão mundial dos pesos médios. A canção foi sucesso mundial, e interferiu substancialmente para que a condenação fosse anulada e a injustiça reparada. Talvez ele tenha razão quando disse em não permanecer por toda uma vida cantando belas canções de protesto acústicas, de maneira demagógica.
https://www.youtube.com/watch?v=bpZvg_FjL3Q

Outra coisa, Bob Dylan tinha grande admiração por Johnny Cash, tanto é, que no documentário Bob Dylan-No Direction Home, de Martin Scorsese, afirma que Johnny Cash foi uma espécie de Deus para ele , e que mal conseguiu dedilhar seu violão ao tocarem juntos, tamanha era a emoção. Existe um efêmero vídeo de ambos bêbados, cantando uma canção de Hank Williams, com Dylan ao piano. Posteriormente os dois gravaram juntos no álbum “Nashiville Skyline”, e outras canções do “Homem de Preto”.
https://www.youtube.com/watch?v=UYKS0jZpARI
https://www.youtube.com/watch?v=g77wH68dFC8

Anos atrás, fomos vê-lo em apresentação ao vivo, e mais uma vez o camaleão mudou de cor, apresentou um rhythm and blues vigoroso, tocando guitarra, gaita e teclados, com excelentes músicas desconhecidos. A coisa não funciona como “Bob Dylan e Banda”, e sim uma banda na qual Dylan é também um integrante, parece que só assim tem sentido suas apresentações. Mega apresentações, telões, holofotes, hits antigos, como também, artefatos piroténicos, não é seu estilo. Mas, a bem da verdade, tocou a antológica “A Like Rolling Stones”, com um arranjo tão belo e diferente, que mais parecia outra canção, e no meio da música Margareth perguntou: é “a like Rolling Stones. Há sim, Bob Dylan antes de tudo é um chato, não deixou eu entrar com a câmera.

Para encerrar citamos que, o crítico de música Bill Flanagan, editor da revista “Musican” dos USA, escreve em seu livro “Dentro do Rock:
“Anos atrás a Columbia Records, sua gravadora, promoveu uma festa em sua homenagem. Compareceram os velhos folkies: Judy Collins, Arlo Guthrie, Roger McGuin, a primeira fornada de punks: Lou Reed, John Cale, Iggy Pop, roqueiros britânicos: Peter Townshend, David Bowie, Ian Hunter, os grupos: Talking Heads, The Band e também: Martin Scorsese, Harvey Keitel, Yoko Ono, Roy Orbison, John Hammond Jr. e Jerry Wexler.” Todos eles concordaram que tinham uma dívida de gratidão com Bob Dylan, não somente por grandes artistas de vários segmentos, como também todos nós que adoramos música. E com simplicidade afirma em uma das canções:
“os grandes livros foram escritos, os grandes ditos foram ditos e só quero tentar pintar um quadro do que acontece aqui de vez em quando.”
Sabemos com toda certeza que Dylan fez muito mais que isso. Ninguém tem uma definição satisfatória de sua obra, seu trabalho advém de várias direções e de formas diferenciadas, sem dimensões ou limites. E como podemos entender essa “máquina azeitada de criatividade”, um cara que sempre renasce, com nova estrutura musical? Bem, aí teremos que retornar à estaca zero afirmando: a resposta meu amigo, está soprando com o vento…

Considerações finais:

-perguntado ao músico Bono Vox, do U2, como poderia definir Bob Dylan afirmou: “é como uma grande pirâmide, que sentamos e apreciamos.”
-Jimmi Hendrix afirmava algo assim de Bob Dylan: “incrível diz coisas fabulosas e desafinado.”


-na adolescencia eu ouvia muito Dylan, na fase folk, (violão e gaita) em vinil, na casa de meus pais. De tanto ouvir, certo dia, meu querido pai, nordestino da gema, o Dr Luiz, que tá no céu, perguntou: meu filho, esse rapaz é cego?

PS-1 – sobre Woody Guithrie :
Nos anos 1930, os Estados Unidos passava pela época da “grande depressão”, e muitos americanos viajavam para a Califórnia em busca de emprego e melhores condições de vida. O cantor e compositor Woody Guthrie foi um desses migrantes, que saiu do devastado Texas para encontrar trabalho e, durante sua busca, acabou descobrindo a força e o sofrimento que há na classe trabalhadora americana. Guthrie, não somente um excelente músico, como também um texano rebelde e brigão, em vez de querer o sucesso fácil do rádio, procurou conscientizar politicamente a população humilde dos Estados Unidos. Isso é narrado no filme “Essa é Minha Terra” , de 1976, com interpretação de David Carradine o (Kung Fu da TV) vejam o trailer e a interpretação de seu grande sucesso “This Land Is Your Land”:
https://www.youtube.com/watch?v=gNled6wh18c trailer
https://www.youtube.com/watch?v=wxiMrvDbq3s This Land Is Your Land
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PS- 2 – Com relação ao The Band, em novembro de 1976, uma grande festa aconteceu em São Francisco com presença de Dylan. Ele foi uma espécie de padrinho do conjunto. Um concerto aconteceu para comemorar então, o final da carreira ao vivo do grupo, porém virou uma grande celebração. O evento reuniu vários convidados especiais, entre eles: Paul Butterfield, Eric Clapton, Neil Diamond, Emmylou Harris, Ronnie Hawkins, Dr. John, Joni Mitchell, Van Morrison, Ringo Starr, Ronnie Wood e Neil Young, como também o bluesman Muddy Waters. Apesar dos contratempos, foi sem dúvida um grande momento do rock. Em alto astral, os convidados executaram canções do grupo e próprias, e no encerramento todos no palco cantaram em uníssino I Shall Be Released, de BOB DYLAN. Tudo registrado magistralmente por Martin Scorsese, que conseguiu transmitir todo o maravilhoso clima, apesar de muita loucura. Tanto é fato, que LAST WALTZ é considerado um dos melhores filmes de rock já feitos. Foi lançado um álbum triplo em 1978, e o documentário relançado em DVD em 2002.
Para se ter uma idéia de toda piração, consta na internet:
“ …Scorsese admitiu posteriormente que durante esta época estava viciado em cocaína. Drogas estavam presentes em grandes quantidades durante o concerto. Nos bastidores, um cômodo foi pintado de branco e decorado com narizes tirados de máscaras de plástico, enquanto uma fita de áudio com ruídos de inspiração era tocada ao fundo. No momento que Neil Young entra no palco, e canta seu mega sucesso Helpless, com violão e gaita, a camera em close, capta uma bolha de cocaína saindo do seu nariz. Tudo porém foi removido posteriormente, na edição final, através de rotoscopia durante o processo de pós-produção.”

http://www.youtube.com/watch?v=be6ONrqyqGg&feature=channel

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