Ver para crer

Na semana passada o plenário da Câmara foi transformado num templo pseudoreligioso pelas bancadas evangélica e da bala, numa manifestação fundamentalista de parlamentares com faixas e cartazes, orações e xingamentos do mais baixo calão, contra os homoafetivos que realizaram a tradicional parada gay em São Paulo.

Surpreendentemente, o jornal Folha de S. Paulo estampou recentemente editorial violento contra o que considera “intimidação ideológica”, liderada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

Eduardo Cunha anda em maus lençóis no Ministério Público, com as delações premiadas e com as investigações, que podem tirá-lo da Câmara e da disputa pela Presidência da República, ambicionada por ele. Esse rompimento com Eduardo Cunha é sintomático, os dias dele podem estar contados.

Na mesma linha, o jornal também publica entrevista da procuradora Deborah Duprat, que entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas e o uso de símbolos religiosos e realizações de cultos e outras manifestações em espaços públicos do Estado. O STF vai marcar o dia do julgamento para os próximos dias.

Uma demonstração de compromisso com a laicidade do Estado num momento de ameaça à democracia e ao estado democrático de direito, que merece ser comemorado com alvíssaras.

Porém não se pode esquecer que, em janeiro deste ano, a Folha incensou, ungiu o deputado Eduardo Cunha para derrotar o deputado Arlindo Chinaglia, do PT/SP, na campanha pela Presidência da Câmara.

Naquele momento, no rescaldo das eleições, a onda erguida, sob a liderança de Aécio Neves, era surfar na tentativa de impeachment de Dilma, recém empossada.

A Folha incensou Aécio Neves, que andou na campanha eleitoral, e ainda anda de braços dados com o atraso organizado – como candidato à Presidência da República e como presidente do PSDB.

Isto é, os mesmos setores que fizeram manifestação no plenário da Câmara contra a parada gay.

Aécio Neves, do alto da presidência do PSDB, se aliou com Eduardo Cunha para aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que reduz a maioridade penal, orientou a bancada a votar na reforma política proposta por ele, entre outras, que constitucionaliza o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas.

Aécio Neves, Eduardo Cunha e Folha de S. Paulo, numa relação simbiótica, apoiaram abertamente as manifestações dos setores mais atrasados e despolitizado do país contra o governo Dilma.

Agora a Folha dá sinais de rompimento com a turma liderada por Eduardo Cunha, coincidentemente no mesmo momento em que Geraldo Alckmin é lançado candidato à Presidência da República na convenção realizada em São Paulo.

Interessante o que o jornal Folha de S. Paulo publicou e os sinais emitidos de adoção de nova postura em relação ao obscurantismo sintonizado entre o Congresso Nacional e as ruas.

Interessante seria se o jornal apoiasse a reação dos setores que sempre lutaram pela democracia, pela afirmação da cidadania e do Estado laico, pela superação do atraso organizado, e pela soberania nacional.

A soberania nacional, no setor de petróleo e gás, está ameaçada pelo projeto de lei do senador José Serra, que tira da Petrobras o controle da produção, instituído pela lei sancionada pela Presidenta Dilma.

Interessante seria se a Folha abandonasse a sanha de destruição do PT e reconhecesse o partido como uma das mais importantes instituições políticas construídas no país, que conseguiu organizar a base da pirâmide social, os excluídos, os remanescentes da escravidão, da dizimação das nações indígenas, deu voz e ação na luta pela conquista de direitos, entre outras, e elegeu democraticamente governos que estão transformando o Brasil.

Reuniões de vários movimentos populares estão acontecendo em todo o país, numa demonstração de forte reação, para discutir estratégias para barrar o retrocesso, conter a ofensiva dos conservadores, que estão tentando, no Congresso Nacional, subtrair direitos da população e a soberania nacional, consagrados na “Constituição cidadã”, assim denominada por Ulysses Guimarães. A Folha vai apoiar os movimentos?

Mais interessante seria se a Folha tivesse, de verdade, deixado de ser um panfleto partidário, servente de candidaturas, e tivesse decidido se comprometer definitivamente com a defesa do Estado laico, a civilização da sociedade, praticando o jornalismo cidadão.

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