O capitão em seu labirinto


Ele não sabe o que fazer, agora, com as falsa bíblias e com os fuzis.

Imagens de arrumação de malas, para ir não se sabe para onde, só não são mais fortes que o tinido do ferrolho de uma cela, que pode estar no final de sua história.

Depois da derrota, apagou as luzes do Palácio, fechou as cortinas e se recolheu nas trevas.

Ficaram apenas a luz da tela do celular e a aflição diante do noticiário. A noite avançou, as pálpebras não cerraram.

O dia raiou. O que fazer? Um pronunciamento à nação com aquele semblante de alma perversa, que se desintegrou ao perceber que o mundo não gira mais em torno dele?

Que o delírio de autorreferência não encontra mais olhares e que os ouvidos do povo estão moucos?

Ao redor, apenas escombros de um reino imprevisto em sua vida, que lhe chegou como um surto.

Hora de acordar. Mas como acordar se não dormiu?

Era preciso dizer alguma coisa para o povo, mas o que dizer se não há explicação?

Convocar ministros, assessores, para escrever um pronunciamento, talvez pudesse ajudar a desembaraçar as frases que devoravam sua alma.

Esperando pelos convocados, sozinho, catatônico, na cabeceira daquela imensa mesa de reuniões, tomado por uma nuvem de lembrança de erros, decisões impulsivas, não sentia culpa, constrangimento, por nada. Nem pelos mortos na pandemia.  Eram apenas lembrança.

Ancorado na obsessão pelo poder, que se esvai no esfregar das mãos, não admite a realidade. Aquilo não poderia ser verdade.

Imaginava que os militares, a PRF, PF, iriam salva-lo. Seus seguidores iriam às ruas de verde e amarelo, lhe dariam o álibi para seu pronunciamento, mesmo não sabendo o que dizer.

A  musiquinha da campanha: “tá na hora do Jair… tá na hora do Jair… já ir embora…” , ressoava na solidão que lhe apavora.

Chegam os escribas. Ocupam seus lugares na mesa. Como anunciar o velório do governo?

Não haviam palavras. Passaram o dia tentando redigir o anúncio. Não conseguiram.

Concluíram por esperar a evolução dos protestos de seus seguidores, que obstruem rodovias, acesso a aeroportos, para justificar motivos da rejeição do resultado da eleição.

Parece querer se manter naquela: “homem não chora”. Mas o tormento está vencendo lentamente sua obsessão pelo poder.

Enquanto isso, Lula recebe uma avalanche de telefonemas de chefes de Estado do mundo inteiro. Ele se dilacera, não sabe o que fazer com o caminhão de fake news usado na campanha, parado na porta de sua consciência.

Enfim, não está conseguindo engolir a derrota, mas vai conseguir, “em nome de Jesus”.

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