Rastros de Ódio

Foto Rastros de Ódio

 

(*) Em mais um belíssimo artigo, meu amigo Luiz Clementino nos leva a um passeio pela produção de RASTROS DE ÓDIO-   “The Searchers”. Ao mesmo tempo em que faz uma análise refinada do que  esse filme representa para a história do cinema mundial e para a sociedade.

 

 

 

 

 

Sinopse:

Em 1868, o veterano ex-oficial confederado Ethan Edwards retorna da Guerra Civil e vai para o rancho de seu irmão na zona rural do Texas. Pouco tempo depois de sua chegada, os Comanches matam seu irmão e sua cunhada e raptam as duas filhas, uma delas ainda menina. Com a ajuda do filho adotivo de seu irmão, Martin Pawley, mestiço índio, Ethan, que odeia todos os ameríndios, começa a perseguir os Comanches para resgatar as sobrinhas. Para ele e também para os que o cercam (exceto Martin), é melhor “certificar-se” de que elas estão mesmo mortas e não vivas e abusadas pelos selvagens (um dos temas do filme é a discussão do racismo).

Ethan se mostra obcecado e próximo de psicótico em sua perseguição, havendo suspeitas de que seu amor pelas sobrinhas se deve ao fato de ter amado a mãe delas, a esposa de seu irmão. Mais tarde, Ethan e Martin encontram o corpo assassinado da mais velha, Lucy. Recrudescem os esforços na busca da mais nova, Debbie. A procura tomará mais cinco longos anos.

 

 

 

Vi RASTROS de ÓDIO, na infância, e nos ficou marcado na memória para sempre. Revi agora em seção cult movie numa programação de filmes que marcaram época. A fita remasterizada em alta definição, adequada para a fotografia no sistema VISTAVISION (tecnologia de ponta da época), funcionou maravilhosamente!!!!

Realizado em 1956, em pleno embate entre o comunismo versus capitalismo e, considerando que a indústria cinematográfica dos EUA não foi interrompida durante a segunda guerra, (o mesmo não aconteceu no velho continente), consequentemente os projetos em Hollywood além do inegável aspecto artístico, também objetivavam o lucro consumista e a propaganda ideológica. Nesse caso, temos em RASTROS de ÓDIO o índio mau e perverso, contra o americano branco herói, cheio de razão e carregado de bom senso.

Dentro desses condicionamentos, e considerando os valores vigentes na década de 50, o filme tem conotação racista e visão unilateral. Na Europa, que sofreu os horrores da segunda guerra, o cinema teve outras características, apresentou após conflito mundial, uma linguagem social realista, intimista e reflexiva.

RASTROS DE ÓDIO, foi selecionado como o décimo segundo melhor filme de todos os tempos, na lista divulgada pela American Film Institute (AFI), em 2008.

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES:

 

Quem conviveu com o cinema ao longo dos anos, vivenciou emocionalmente na tela, tipos e aspectos humanos que ficaram impregnados nos corações e nas mentes de nós cinéfilos e que, de algum modo transpassaram a tênue fronteira do fictício e do real.

Personagens como o maravilhoso “eterno vagabundo” contemplados nos filmes de CHARLES CHAPLIN, ou o casal de artistas mambembe amargurados, interpretados por Giulieta Masina e Anthony Quinn em “A Estrada da Vida” do genial FELLINI numa visão neorrealista; em “Ladrões de Bicicletas” de   VITTÓRIO DE SICA, pai e filho em situação comovente, procuram a bicicleta roubada, necessária para utilizá-la num difícil emprego,e resolvem praticar um delito, em uma Itália arrasada pela guerra. GRANDE OTELO, OSCARITO e a loirinha ELIANE, das chanchadas da Atlântica, fazem parte do nosso acervo cinematográfico sentimental. Como também, JEAN PAUL BELMOND como o irresponsável criminoso fugitivo em “O Acossado” de GODARD. Quem não se apavorou com o pirado Norman Bates de Anthony Perkins e HITCHCOCK em “Psicose”. Os miseráveis flagelados pela seca, andando a esmo no semiárido nordestino, ao som do carro de boi, em “Vidas Secas” de NELSON PEREIRA dos SANTOS, é impossível esquecer. Nessa longa lista pode constar também “Antônio das Mortes”, matador de cangaceiros, jagunço truculento, personagem comum de GLAUBER ROCHA. E por aí vai, a lista é bem longa, e nós, “loucos por cinema”, somos enfeitiçados por essa magia, dando sustância e personificação a figuras que, de uma forma ou de outra, nos fascinam.

Dentro deste contexto cine-emocional, em “RASTROS DE ÓDIO” John Wayne é o Tio ETHAN, veterano do exército confederado, “representando um dos mais pungentes retratos da solidão humana e amargura do cinema.” Sujeito inescrupuloso, cavaleiro solitário, assassino de índios, um cara racista e atormentado, transa com a mulher do irmão, em uma paixão oculta. Este personagem impressionou não somente milhões de pessoas que viram esse western, como também Jean Luc Godard (desafeto assumido do cowboy ultra direita) que, na época, declarou: “mistério e fascínio deste cinema americano… como posso odiar John Wayne, e assim mesmo amá-lo tão ternamente quando ele pega Natalie Wood em seus braços nos momentos finais de RASTROS DE ÓDIO.” Para o cineasta Martin Scorsese, EDWARD ETHAN representa a psique norte americana, e que ele não é vilão, mas as vezes é desprezível. Muitas outras opiniões a respeito do Tio ETHAN foram expressas no decorrer dos anos.

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O filme tem início com a abertura de uma porta, e termina com o fechamento de outra. Nesse intervalo, nos é mostrado o drama das famílias que ocuparam as terras habitadas pelos nativos.

https://www.youtube.com/watch?v=6KFCwhBiejI

 

 

O espantoso é que “The Searchers” não é somente um filme tecnicamente perfeito, “trata-se de uma evolução e amadurecimento do gênero por excelência norte-americano, o western,” e mesmo com a conotação injusta atribuída aos índios, a coisa funciona.

O grande enigma é: como o irlandês JOHN FORD conseguiu elaborar, através de uma história cruel e facciosa, em uma comovente e importante expressão artística? O escritor cubano Guilhermo Cabrera diz uma coisa interessante a respeito: “Uma obra-prima de um mestre. Não deixem, por favor, que os politicamente corretos lhes digam que é racista; essa não é uma categoria para se julgar a arte, ou teríamos que revisar todo Shakespeare.”

                    Baseado em fato real, ocorrido em 1860 no oeste, quando o exército massacra todas mulheres de uma tribo, menos uma jovem de olhos azuis, que interrogada diz que foi raptada pelos índios aos nove anos, tornando mulher do cacique. Procurada pelos parentes durante 10 anos, recusou a voltar, alegando que o seu povo era os nativos.

 

            RASTROS DE ÓDIO foi filmado no habitat cenográfico do diretor, na bela região do Monument Valley, no estado de Utah, com o sistema VISTAVISION e em tecnicolor. Uma produção que envolveu 300 pessoas acampadas na região durante quase todo ano de 1955, sendo que as cenas com nevascas foram filmadas no Canadá com dubles de John Wayne e Jeffrey Hunter. E a dupla FORD/WAYNE, em plena forma.

O fotógrafo Winton Hoch (1905-1979) nos proporciona formidáveis landscapes, em cores contrastantes, com enquadramentos perfeitos e uma luz belíssima. Para se ter ideia da fotogenia, alguns planos surgem primeiro, mostrando a paisagem, para depois entrarem os personagens e vice-versa. O visual é comparável ao trabalho dos cineastas David Lean e Akiro Kurosawa.

 

O maestro Max Steiner (1888-1971), compositor de centenas de filmes (indicado para o oscar 36 vezes), realizou a bela trilha sonora. A canção tema “ The Seachers”, de Stan Jones (1914-1963), com versos referente à saga solitária de Tio ETHAN, é interpretada por “ The Sons of the Pionneers”.

Alan Le May (1899-1964), escritor, contista e roteirista escreveu vários livros e contos passados no velho oeste americano. Dentre os que foram transpassadas para a tela, dois se destacam, “Os Imperdoáveis”, de John Houston, e “Rastros de Ódio”, de John Ford. Nesse último, o roteirista Frank S. Cooper mudou a versão original. No livro, o final é trágico, o sobrinho mata sem alternativa, mata o tio ETHAN.

O crítico Muniz Vianna, quem primeiro levou o gênero a sério, escreveu na ocasião, que no elenco, não há nomes a destacar, pois todos cumprem muito bem a sua missão. Jeffrey Hunter, como MARTIN PAWLEY, o sobrinho mestiço, temeroso com o temperamento violento do tio. Sarah Milles, como a solteirona casamenteira apaixonada e passional, que vive à espera de MARTIN, sonhando com as núpcias, e também o folclórico e abestado MOSE, com sua intuição certeira e obstinação pela cadeira de balanço, são personagens interessantes.

ETHAN e MARTIN são chamados pelos comanches de “ombros largos” e “aquele que segue” respectivamente. E a procura tensa e frenética pela sobrinha nas regiões inóspitas, na nevasca ou em sol escaldante causa desavenças e ressentimentos entre ambos. O explícito preconceito do tio se contrapõe com uma preocupação quanto à segurança e a proteção do sobrinho, demonstrando seu temperamento paradoxal. Em certo momento, ETHAN evita que MARTIN entre na casa mata, aplicando-lhe um soco, para que não e veja os corpos de sua família destroçada pelos índios. Mais tarde, na cantina em território do Novo México, anteriormente pertencente ao México (tomado pelos EUA), Tio ETHAN não permite que Martin tome um trago, resguardando-o. Quase no desfecho, quando ambos estão acuados pelos índios, o tio escreve um testamento deixando seus bens para o jovem MARTIN. Outra sequência que chama a atenção, e são cenas desagradáveis, é o tratamento desrespeitoso dispensado pela dupla à jovem índia que foi confundida como esposa. Por outro lado é mostrado uma aldeia dizimada, logo após o massacre realizado pela cavalaria, quando ambos comovidos vêem a jovem “esposa” índia assassinada.

Ward Bond (1903-1960), é o Rev. Cap. SAMUEL J. CLAYTON, espalhafatoso e desajeitado, porém dotado de bom senso, líder da equipe dos voluntários Texas Rangers, refreia em algumas ocasiões a fúria extrapoladas do Tio ETHAN. E atenção, tem uma cena genial com a câmera fixa, onde é mostrado através dos olhos do o Rev. CLAYTON, que está em primeiro plano tomando café, a relação adúltera entre Tio ETHAN e a cunhada. Ou durante o café da manhã, também com a câmera parada e lente grande-angular (sem deformação), é mostrado toda a movimentação do aconchego familiar.

O chefe comanche SCAR (Cicatriz) é contracenado pelo ator alemão Henry Brandon (1912-1990), representando o lado dark da história. Porém, toda a sua crueldade está vinculada à ação dos homens brancos que tomaram suas terras, violentaram suas mulheres, mataram seus filhos e dizimaram os animais com a caça predatória. Isso é mostrado no diálogo dentro da tenda no acampamento indígena, quando SCAR mostra os escalpos, dizendo para ETHAN que para cada filho seu morto pelos brancos, “eu arranco vários escalpos”. O cacique talvez seja um homem violento com causa, se esse argumento for justificável, e o Tio ETHAN? Os peles vermelhas já haviam exterminado seus pais e agora o irmão e a mulher que amou ardentemente. Ambos são movidos pela mesma horripilante energia, o ódio mútuo que cega e dilacera a alma de cada um. A incompreensão, insensatez, a falta de juízo e ira descabida entre as etnias é a força motriz, que gera em solo fértil a semente da violência e da guerra.

A história tem início em 1868, porém hoje, tudo se repete. Infelizmente a mentalidade anti-humanitária de Tio ETHAN persiste, o exército dos EUA prossegue invadindo nações, bombardeando áreas civis, com artefatos de ponta, exterminando mulheres, crianças e idosos, invadindo casas destruindo lares, estuprando mulheres e desrespeitando culturas milenárias. E quando há revolta, como aconteceu com o cacique SKAR, o injustiçado é considerado terrorista de alta periculosidade e fatalmente é cassado em todo o mundo. E resumindo a ópera: CICATRIZ versus OMBROS LARGOS é um embate sangrento atualíssimo. Haja vista o que diz o pensador Krishnarmurti em suas conferências: “apesar de toda a modernidade e da alta tecnologia contemporânea, ainda vivemos em um regime tribal”. Vejam o nosso contexto político atual!!!

Em 1964, JOHN FORD voltou ao tema indígena com CREPÚSCULO DE UMA RAÇA (Cheyenne Autumn), mostrando o problema pela visão dos peles vermelha. A história se passa em 1878, quando o governo deixa de entregar os suprimentos necessários à tribo indígena Cheyenne, levando centenas de índios a saírem da reserva para viverem livres no local de origem. Na ocasião, FORD declarou que devia esse filme aos índios, pois em sua carreira cinematográfica, exterminou mais índios do que a sétima cavalaria do General Custer.

Houve posteriormente no cinema norte-americano, realizações conscientes no gênero, sem o contexto imbecil de que o índio é um estranho em sua própria terra e também desmistificando os heróis nacionais. Em 1960, Don Siegel realizou um interessante filme já mostrando o lado do índio. Trata-se de “Flaming Star”, versado aqui como “Estrela de Fogo”, com Elvis Presley e a estrela do cinema mudo Dolores Del Rio. Dentre outros diretores podemos citar em 1969, Abraham Polonsky diretor perseguido pelo Macartismo, escreveu e dirigiu o correto filme “Willie Boy” baseado na história verídica de um índio chamado Willie Boy e seu confronto com a lei em 1909, em Banning, Califórnia. Ralph Nelson em 1970, com “Soldier Blue” (Quando é preciso ser homem), tendo como base os fatos que levaram ao massacre de índios, ocorrido em 1864, o “Sand Creek Massacre”, no Território do Colorado. O filme contém cenas “realistas” e “close up” de decapitações e fuzilamentos de mulheres e crianças indígenas. Também, no mesmo ano, Arthur Penn, elababorou o maravilhoso “Little Big Man” (Pequeno grande homem). Narrado por um sobrevivente centenário dos massacres, e em tom de comédia, mostra novas versões de personagens históricos e notadamente um General Custer como lunático, vaidoso e violento. Mais recentemente, Kelvin Koster em “Dances with Wolves” (Dançando com os lobos) conta a história de um oficial de cavalaria que se destaca como herói na Guerra Civil Americana e, por isto, é lhe dada a chance de escolher o lugar onde quer servir. Ele escolhe um posto longínquo e solitário na fronteira. Ali estabelece amizade com um grupo de índios Sioux, que o recebe pacificamente e o adota.

O fato é que, esses e outros trabalhos, mesmo com a competência e talento de seus autores, imbuídos de autenticidade, pesquisa jornalística, realismo e denúncia, não contêm a grandeza épica e a beleza poética e nostálgica de RASTROS de ÓDIO. Grande parte dos críticos, consideram o melhor western de todos os tempos, é um marco e referência na história do cinema. É uma obra recomendada e estudada nas universidades, já foi dissecada por intelectuais, críticos renomados e artistas, como também temas de teses para mestrado e doutorado. Existem vários comentários, críticas especializadas, traillers, cenas e admiração na internet sobre esta obra.

O crítico Rodrigo Carreiro, do jornal digital Cine Repórter, escreve que “Cineastas de prestígio, como Steven Spielberg e Martin Scorsese, colocam “Rastros de Ódio” no topo das obras-primas produzidas em Hollywood. A complexidade dos personagens é tão profunda que não cabe na tela: a relação de amor e ódio que Ethan mantém com Martin Pawley jamais é explicada em palavras. John Ford não gostava de falar mais do que o necessário. Esses e outros detalhes inexplicados, no lugar de criarem um filme cheio de pontas soltas, compõem uma obra de texto aberto, com entrelinhas que o próprio expectador pode preencher, de uma forma que jamais conspurca a linha mestra na narrativa. As atuações em geral parecem um tanto empostadas e artificiais, e o ritmo é naturalmente lento, mas esses detalhes fazem parte do contexto de produção dos filmes da época. As platéias de 1956 não tinham essas sensações. Por isso, “Rastros de Ódio” cavou um espaço na mitologia popular norte-americana e continua a ser reconhecido como obra-prima.”

O cinéfilo Paulo Tibúrcio em artigo sobre RASTROS de ÓDIO afirma: “ JOHN FORD conseguiu captar nas imagens de seus filmes, como nenhum outro diretor, a alma do povo norte-americano, em seus costumes, crenças e lutas nos caminhos trilhados em seu desenvolvimento. Em todas as listagens dos dez melhores westerns dos primeiros cem anos do cinema americano (1896 a 1996), no mínimo três de seus filmes estão presentes: NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS (Stagecoach-1939), RASTROS de ÓDIO (The Searchers-1956) e O HOMEM QUE MATOU O FACÍNOLA (The man who shot Liberty Valance-1962). Outros dois maravilhosos foram: PAIXÃO de FORTES (My Darling Clementine-1946) e CREPÚSCULO de uma RAÇA (Cheyenne Autumn-1964). De outros gêneros cinematográficos que JOHN FORD dirigiu, cito a seguir, cinco outras obras primas: A MOCIDADE DE LINCOLN (Young Mr. Lincoln-1939), VINHAS DA IRA (The Grapes of Wrath-1940), A LONGA VIAGEM DE VOLTA (The Long Voyage Home-1940), COMO ERA VERDE O MEU VALE (How Green was my valley-1941) e DEPOIS DO VENDEVAL (The Quiet Man-1952).

Mal recebido em sua estréia, o filme se impôs através dos anos. De acordo com o produtor e cineasta CURTIS HANSON, o tempo além de estar do lado dos artistas, é um único critério para avaliar uma obra de arte. O mesmo aconteceu com cinematografia de JEAN RENOIR que foi incompreendida e subestimada no seu tempo, e hoje é considerada obra máxima do cinema.

As cenas finais ”The Searchers” são estarrecedoras e surpreendentes, quando Tio ETHAN, durante o massacre na aldeia, enfim consegue por as mãos na sobrinha, porém já não se trata de uma criança, e sim uma mulher pele vermelha, esposa do cacique SKAR, e em seu universo paranóico, mais um animal desprezível que não merece viver. O jovem MARTIN corre desesperado tentando alcançá-lo para evitar pior. Surpreendentemente surge um lampejo de compaixão, e Tio ETHAN toma uma decisão inesperada, decisão essa que evitará uma tragédia maior.

E finalmente, quando tudo está aparentemente resolvido do “lado branco”, todos entram porta adentro satisfeitos e acomodados, menos uma pessoa, o tio ETHAN, que tudo observa. Sua mente está escalpelada psicologicamente, ele é uma tragédia humana. O que fará de agora em diante? SCAR está morto e escalpelado por ele. Continuará furando os olhos dos índios abatidos para ficarem vagueando ao vento e não entram na terra dos mortos? Ou exterminando os bisões, que são alimentos dos peles vermelhas? Permanecerá o mesmo homicida racista? Será ele também vítima da violência, que jamais conseguiu digerir? Um cara digno de pena? Não sabemos, talvez nem JOHN FORD ou ALAN Le MAY saibam, o que se pode afirmar é que Tio ETHAN jamais se integrará em um lar ou em uma família ajustada e pacífica.

Então “OMBROS LARGOS” observando o convívio familiar, se vira na poeirenta paisagem desértica, ao som da canção de Stan Jones, e caminha a ermo na estrada amargurada de sua vida.

https://www.youtube.com/watch?v=ci3a4zc-40I

 

A porta se fecha.

 

THE END

 

 

PS – Sobre JOHN FORD

Por ocasião da mostra John Ford, no CCBB em Brasília, foi produzido um excelente livro-catálogo, organizado pelo crítico Ruy Gardnier, com publicação de boa parte dos principais artigos e capítulos já escritos sobre a obra do diretor, todos eles inéditos no Brasil. Contendo textos que vão desde 1928 até os dias atuais, o livro discute, aprofunda e problematiza os maiores temas, conceitos e filmes da extensa obra de Ford, além de tentar compreender sua mítica personalidade

Na seção de depoimentos, GLAUBER ROCHA escreve um artigo intitulado “O CACIQUE DA IRLANDA”, referente à homenagem que o irlandês recebeu, em 1968, no Festival de Montreal. Estavam reunidos no evento a nata do cinema mundial e, além de JOHN FORD, seus dois amigos pesos-pesados Jean Renoir e Fritz Lang, dentre outros. Na ocasião o diretor de RASTROS de ÓDIO foi apresentado ao realizador de DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL.

Após brincadeiras e abraços deu-se a entrevista coletiva no quarto do hotel, em clima descontraído, e com afirmações descompromissadas e hilariantes, demonstrando total desinteresse com qualquer engajamento. Para se ter idéia, vejamos algumas afirmações, no mínimo interessantes:

 

-Atualmente eu não escolho nem os atores. É a mulher do banqueiro que dá todos os palpites no filme que vou fazer. Somente quando tenho dinheiro nos meus filmes possuo liberdade. Mas que liberdade? Quem manda é o público.

— Quem é Godard? Nunca ouvi falar dele. Quem é Pasolini? Nunca ouvi falar. Ontem fui ver um filme comunista iugoslavo [tratava se de Une Affaire de Cœur,2 de Dusan Makavejev, aplaudido pela crítica] e saí na metade. Isso é lá cinema? Os europeus pensam que filmar uma mulher nua é cinema. O grande cinema é o nosso, o meu, o de Hawks, o de Hitchcock!

Um jornalista pergunta se Ford acompanhará Renoir naquela noite ao Palácio do festival, onde será apresentado La Marseillaise (A Marselhesa, 1938).

       — Não. Este filme sobre a Revolução Francesa é propaganda. Não posso prestigiar um comunista em público, apesar de Renoir ser meu amigo.

O filme Young Mr. Lincoln entusiasmou Eisenstein. Contamos isso para Ford e ele brinca:

Quem? Eisenstein? O diretor comunista de Ivan, o Terrível? Ivan é um filme muito inteligente

E GLAUBER ROCHA conclui:

Ford desconfia de sua possível genialidade. Inegavelmente militarista, Ford idealizou o Oeste como um paraíso perdido, espécie de Olimpo do novo mundo. Sua preocupação sempre foi a de punir os maus e fazer triunfar os bons. Gosta de índios, mas são ingênuos os selvagens que devem ser catequizados e protegidos. Haverá sempre um bom soldado branco capaz desta façanha, ainda que para tanto deva se rebelar contra seu superior. O exército é a alma da nação, a cavalaria sempre surgirá para salvar os pobres colonos das garras dos índios. Sobre racismo, Ford acha lamentável a incompreensão entre os homens.

Seu cinema criou adeptos em todo o mundo. Na França Ford é adorado, embora todos saibam que sua visão do mundo é desatualizada, principalmente depois que os Estados Unidos começaram a entrar em crise social, econômica e política revelando ao mundo que sua invencibilidade apregoada com veemência pelo cinema é um mito cinematográfico. Como Howard Hawks, como Alfred Hitchcock, como tantos outros, Ford pertence a uma geração de gigantes que se revelam como Golias, vulneráveis na testa.

Fritz Lang tinha razão quando afirmava que o cinema feito por esta geração era um cinema primitivo. Inventaram cenas fabulosas de espetáculo, criaram gêneros e heróis, mas em nada contribuíram para transformar a sociedade: apenas colaboraram na edificação do mito imperialista. Este cinema de espetáculo, de aventura, de suspense, de emoção, entrou em colapso justamente porque o tempo da reflexão, da dúvida, da crítica, da perplexidade, começou. Hoje, diante de um filme do velho cinema americano, vemos apenas a reprodução mentirosa do mundo. E a perfeição destas formas, a harmonia deste ritmo, terminam por cansar. É um mundo fechado que dá uma mensagem mastigada ao espectador, sem que ele tenha a menor chance de discutir ou recusar.

John Ford é o maior criador desta fase. Moralista, telúrico, gênio de um velho estilo de espetáculo.

 

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=JsM8vH04Vcs

https://www.youtube.com/watch?v=ci3a4zc-40I         lets go home

https://www.youtube.com/watch?v=pi-zM9A5S0M         trailer

https://www.youtube.com/watch?v=7cj4smynTwc https://www.youtube.com/watch?v=5uPPGltqXE8 monument VALLEY

 

 

 

                                   

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Elenco:

  • John Wayne…Ethan Edwards
  • Jeffrey Hunter…Martin Pawley
  • Vera Miles…Laurie Jorgensen
  • Ward Bond…Rev. Capt. Samuel Johnston Clayton
  • Natalie Wood…Debbie Edwards (crescida)
  • John Qualen…Lars Jorgensen
  • Olive Carey…Mrs. Jorgensen
  • Henry Brandon…Chefe Cicatrice (Scar)
  • Ken Curtis…Charlie McCorry
  • Harry Carey, Jr…Brad Jorgensen.
  • Antonio Moreno…Emilio Figueroa
  • Hank Worden…Mose Harper
  • Beulah Archuletta…Wild Goose Flying                       (Searchers, The – 1956)

 

 

 

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