O reinado do baixo clero
Há alguns anos, andar pelos corredores e salões do Congresso Nacional era como mergulhar num mar de ideias, de debates e propostas para construção da nação democrática tão sonhada. A ditadura militar havia sido derrotada e pelo alto se construiu uma conciliação pelas liberdades democráticas.
Era se deparar com pessoas como Florestan Fernandes, Roberto Campos, Darcy Ribeiro, Delfin Neto, Maria da Conceição Tavares, José Paulo Bisol, Ulysses Guimarães, Miguel Arraes, e tantos outros intelectuais e políticos desse porte.
Nas tribunas o debate se desenvolvia em alto nível, cada um evidentemente com seus posicionamentos políticos e ideológicos, mas tendo a democracia como compromisso e base fundamental.
Hoje, vê-se nos corredores e nas tribunas do Congresso, salvo devidas exceções, figuras patéticas investidas de mandatos parlamentares como se estivessem num shopping, numa igreja, numa delegacia de polícia ou numa bolsa de valores, emprenhadas de notoriedade, perdidas em delírios narcísicos nos novos espelhos (celulares smartphones), muitos em busca unicamente de meios – quaisquer que sejam – que garantam a reeleição.
Figuras como o deputado que zanza pelos corredores trajando uniforme da Polícia Militar de São Paulo, ou outro policial, comentando na tribuna o crime do dia dos noticiários sanguera dos programas de TV; pastores pregando para os fiéis, ao invés de discursando sobre um assunto importante, sabendo que a TV Câmara ou TV Senado transmitem as sessões ao vivo, e outras cenas desalentadoras.
Ou seja, a atividade parlamentar está sendo reduzida à defesa de interesses pessoais e corporativos como nunca visto. Os interesses da sociedade e do país que se danem.
Que propostas de peso foram apresentadas na Câmara dos Deputados por figuras como o deputado Tiririca, Celso Russomano, Bolsonaro – os mais votados do país –, visando ajudar o país a superar a crise, a desigualdade, ou que representem avanços em relação aos direitos de cidadania e à democratização do país? Nenhuma. Alguns deles atuam na vida pública como alpinistas políticos visando sempre chegar ao ponto mais alto possível da República.
Havia a expectativa, logo após a Constituinte, de que a sociedade brasileira entraria numa fase promissora de consolidação da democracia e aprofundamento da cidadania. Com as conquistas dos direitos individuais e coletivos e com a ampliação da organização e da participação social, esperava-se o aprimoramento da representação política.
Isso aconteceu até certo ponto. Os governos Collor e Fernando Henrique, de viés neoliberal, que se seguiram, inimigos de políticas públicas estatais, se encarregaram de retardar o processo, mudaram a legislação eleitoral, estabeleceram o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas, ou seja, ampliaram ainda mais o espaço político do poder econômico. Por outro lado, tornaram-se campeões de votos postulantes a cargos eletivos que, por alguma razão, se tornaram muito conhecidas na TV e noutras mídias.
As campanhas eleitorais ficaram muito caras e, com isso, reduziram as chances de eleição de candidatos originários de trabalho partidário ou de movimentos da sociedade civil.
A representação política e o parlamento entraram em franca decadência e os autênticos representantes da sociedade, que militam em movimentos nas mais variadas frentes voltadas para o fortalecimento da cidadania e consolidação da democracia estão sendo impedidos no processo eleitoral pelas condições impostas.
Na medida em que as autênticas lideranças de movimentos são afastadas do processo eleitoral, o atraso organizado avança e toma conta do parlamento. Esse afastamento tem também muito de omissão, de quem assiste de longe a democracia ser solapada pelo conservadorismo.
Não basta criticar. O momento é de participar e de reverter esse processo de decadência. Por que não pensar já em pessoas dignas da representação política para as próximas eleições e começar a trabalhar os nomes?
O Brasil tem lideranças altamente qualificadas para a representação política nos movimentos sociais e sindicais, nas universidades, nas instituições públicas estatais, , participando de debates em diversos fóruns temáticos fora dos parlamentos.
As instituições democráticas, os movimentos sociais e sindicais precisam se organizar e começar a projetar nomes para a retomada dos parlamentos, principalmente do Congresso Nacional, onde o retrocesso é mais evidente e os prejuízos são maiores para a democracia. Sem perder evidentemente a perspectiva da construção da hegemonia popular.
Enfim, é preciso pensar estratégias para uma grande renovação política do Congresso Nacional.
Outro Congresso Nacional é possível.