Entre replicantes e fundamentalistas

 

 

 

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Outro dia Ray Kurzweil, diretor de Engenharia do Google, chamou atenção do mundo para o extraordinário avanço tecnológico nas áreas da genética e da informática, ramos da ciência que se encontraram  nos últimos tempos para realizações incríveis, talvez vistas apenas em livros e filmes de ficção científica.

Kurzweil disse que, em breve, impressoras 3D irão imprimir órgãos humanos utilizando células-tronco modificadas com o próprio DNA do paciente, proporcionando um suprimento inesgotável de órgãos sem nenhum risco de rejeição.

“Seremos capazes de reparar órgãos danificados – por exemplo, um coração que sofreu um ataque cardíaco – com células-tronco reprogramadas.”.

“Por volta de 2025, impressoras 3D irão imprimir uma série de coisas. Haverá muitos projetos de código aberto, mas as pessoas ainda terão que pagar, por exemplo, para fazer o download de arquivos das roupas desenhadas pelos estilistas mais celebrados, assim como hoje pagam para baixar eBooks, músicas e filmes. As roupas serão impressas a um custo muito baixo.” Diz ele.

“Nós iremos passar um tempo considerável usando realidade virtual e realidade aumentada. Poderemos visitar amigos e parentes, mesmo que separados por grandes distâncias. Será possível até tocar um no outro. Algumas das ‘pessoas’ que visitaremos nestas novas realidades serão avatares bastante fiéis ao original humano.” Alerta Kurzweil.

As projeções do homem do Google, que percorreram a rede de internet, acordaram muita gente que ainda não havia se dado conta dos últimos acontecimentos científicos.

Parece até que estamos chegando ao mundo preconizado pelos filmes Blade Runner – O caçador de andróides, Metrópolis e outras obras do gênero.

Blade Ranner, com roteiro de Hampton Fancher e David Peoples, baseado na obra do escritor Philip K. Dick, mostra a cidade de Los Angeles em novembro de 2019 vivendo um colapso da civilização humana, material e moral, com animais clonados, seres similares ao humano, chamados replicantes, produzidos em laboratórios por engenheiros genéticos de empresas terceirizadas sendo usados em atividades perniciosas, na Terra e fora dela.

Metrópolis, uma obra prima do expressionismo alemão produzido em 1927, pelo cineasta austríaco Fritz Lang, mostra o futuro, em 2026 (100 anos após a produção do filme), com ricos industriais governando a grande cidade, Metrópolis, das torres de complexos arranha-céus, enquanto a classe trabalhadora e moradores subterrâneos trabalham em turnos de revezamento para operar as máquinas que fornecem cada vez mais poder aos proprietários-governantes.

Ficção científica à parte, pesquisas recentes aplicadas na medicina, com células-tronco, estão possibilitando pessoas cegas enxergar; diabéticos serem curados definitivamente, deixando de usar insulina; portadores de doenças degenerativas do sistema nervoso sendo tratados com êxito; e estudos avançadíssimos para que cadeirantes voltem a andar. Essas e outras conquistas extraordinárias da medicina fazem parte do início de um ciclo virtuoso de desenvolvimento científico muito pouco difundido.

Cientistas estão considerando os avanços das pesquisas com células-tronco aos da descoberta, no passado, da penicilina, tamanha a abrangência da cura de doenças que os medicamentos estão proporcionando.

A medicina está repondo tecidos danificados por doenças, traumas e envelhecimento, substituindo órgãos e, em tempo não muito distante, poderá regenerar corpos inteiros. Células embrionárias conseguem produzir células para todos os tecidos.

O Brasil é atualmente referência mundial em pesquisa com células-tronco, ao lado de países como Estados Unidos, Inglaterra e Japão . O uso de células-tronco no tratamento de enfermidades cardiovasculares, da visão e da diabetes, no Brasil, é o mais importante no momento.

O Instituto da Visão, da Universidade Federal de São Paulo, conseguiu recuperar a visão de um paciente a partir de células-tronco encontradas em dentes-de-leite humano, a mesma célula-tronco que forma tecidos do olho. Os pesquisadores estão a um passo de reconstituir, por exemplo, tecidos como o da retina.

Ensaios clínicos estão sendo realizados com Células Progenitoras Hematopoéticas (CPH) de alta capacidade de auto-renovação, encontradas na medula óssea, na placenta e no cordão umbilical, para tratamento de câncer e outras aplicações.

Uma revolução silenciosa está acontecendo na medicina. Uma simples célula pode ser transformada em gordura, músculo ou até mesmo em neurônios. É possível pegar células do paciente, reprograma-las, derivar linhagens e promover correções de gens defeituosos causadores das doenças.

As pesquisas estão possibilitando criar órgãos completos. Nos Estados Unidos cientistas já estão produzindo em laboratórios órgãos de animais como pulmão, coração, rins, glândulas, e realizando transplantes com sucesso. O próximo passo seria promover procedimentos semelhantes em humanos.

Mas as conquistas científicas, tão necessábrias para o tratamento de doenças fatais, estão ameaçadas por fundamentalismo religioso e pela iminente apropriação capitalista. O fundamentalismo quer impedir os avanços e o capital quer transformá-los em mercadoria.

O capitalismo poderá produzir, entre outras coisas, “replicantes andróides” em laboratórios para uso em atividades inimagináveis, assim como no filme Blade Ranner.

As comissões de Bioética acompanham o desenvolvimento das pesquisa em vários países, debatem e procuram estabelecer critérios e padrões éticos de utilização dos resultados das pesquisas científicas na medicina.

Mas não dispõem de recurso e força política suficientes para influenciar governos e muito menos organismos internacionais como a ONU para dialogar com os setores fundamentalistas religiosos e tentar deter a utilização indiscriminada do resultado das pesquisas por empresas privadas.

Esse talvez seja o maior desafio da sociedade no momento, que quer usufruir dos benefícios das pesquisas científicas.

Pelo andar da carruagem, com a possibilidade de regenerar todos os tecidos, e, por conseguinte, o corpo humano inteiro, teremos que debater, em breve, o direito ou não de permanecermos vivos ou de interrompermos a vida quando quisermos e de forma assistida.

Por incrível que pareça, tudo isso acontece sem que problemas como o da pobreza extrema, da desigualdade, a consolidação e afirmação dos direito humanos tenham sido resolvidos, sem que o atraso cultivado por certas religiões, as guerras, a sanha capitalista e outras misérias humanas tenham sido reconhecidas e superadas.

O fato é que os passos da ciência têm sido muito mais avançados do que os da cidadania e da política.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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