Serra saiu de fininho

Serra

 

O pedido de demissão de José Serra, do cargo de ministro das Relações Exteriores, alegando problemas na coluna, não convenceu muita gente que o conhece de perto, em Brasília.

Ele volta para o Senado, mas lá a intensidade da agenda de trabalho não é muito diferente do Itamaraty.

Há hipótese de que a volta faz parte de um plano político que visa posicionar-se melhor na volátil conjuntura política para eventual candidatura à Presidência da República.

Muito experiente, Serra deve ter percebido que Temer, para dentro do governo e do Congresso, vai muito bem com a entrega do que foi prometido aos golpistas, mas na opinião pública está desabando, com perspectiva de sucumbir rapidamente.

Caso Michel Temer seja cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral ou o Supremo Tribunal Federal resolva tornarem públicas as delações premiadas, haverá grande reboliço e novo arranjo de forças políticas para as eleições. Isso é inevitável.

São nesses momentos que surgem as candidaturas, que podem se firmar ou não. Vai depender, evidentemente, da capacidade de articulação de quem deseja o posto.

Mesmo afundado na lama da Lava-Jato, tendo que explicar os R$ 23 milhões que a Odebretch disse ter depositados numa conta dele num banco na Suíça, em 2010, quando foi candidato à Presidência da República, quem conhece José Serra de perto sabe de sua velha e desmedida ambição pelo poder, que é o motor de sua vida pública.

Pode ser também que esses R$ 23 milhões da campanha de 2010 não dê em nada. A Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal Federal podem estar construindo entendimento de que as investigações da Lava-Jato devam fazer um corte, não deixar chegar a 2010, e que essa montanha de dinheiro não tem nada a ver com a Petrobras.

Ele está enrolado também no escândalo do metrô de São Paulo. Mas os políticos tucanos têm tratamento diferenciado no judiciário. Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, por exemplo, foi condenado em primeira instância, no conhecido escândalo “mensalão do PSDB”, entrou com recurso e aguarda até o final dos tempos o novo julgamento em liberdade. Não se fala mais nesse assunto.

O PSDB está muito mal nas pesquisas de opinião pública e as possíveis candidaturas na lama.

Geraldo Alkmin está citado na Lava-Jato e enredado no escândalo do metrô e da merenda escolar, mas não parece preocupado com isso.

Aécio, um dos conspiradores do golpe de Estado, está liquidado moralmente e politicamente. Parece ter perdido o trem para sempre. Vai depender, evidentemente, de como será tratado pelos magistrados.

Serra é muito amigo do ministro das comunicações Gilberto Kassab, presidente do PSD, que, no apagar das luzes, no ano passado, montou uma operação para passar aproximadamente R$ 105 bilhões, segundo o Tribunal de Contas da União, às concessionárias de telefonia (Oi, Vivo, Claro, Algar e Sercomtel), em troca de uma promessa de investimento em banda larga.

Uma ação entre amigos de confiança, digamos. Ou seja, Serra é muito ligado ao setor de telecomunicações desde quando as empresas estatais foram privatizadas, no governo Fernando Henrique.

Ele tem amigo, partido e provavelmente dinheiro para a campanha. Se quiser, ele pode deixar o PSDB e ir para o PSD.

Mas o fator que deve ter pesado mais na decisão de José Serra de deixar o Itamaraty foram os muitos NÃOS recebidos em tentativas de agendas com autoridades estrangeiras. A grande maioria das agendas era com funcionários, numa demonstração de desprestígio. Isso virou folclore no Itamaraty.

A ilegitimidade do governo de Michel Temer tem causado dificuldades na política externa do Brasil. Esfriaram muito as relações.

A gota dágua pode ter sido a decisão do Parlamento do Mercosul, de manter a Venezuela no Mercosul. A investida de Serra pela exclusão foi derrotada por unanimidade. Até a direita da Venezuela votou contra ele.

O golpe de Estado consumado no Brasil teve um forte repercussão internacional. Não é comentado publicamente por autoridades de países desenvolvidos, de democracia avançada, mas nos gabinetes de chefes de Estado, a portas fechadas, a conversa é outra.

Os políticos e magistrados rastaqueras que agiram com ilusão de que estavam conspirando para o golpe de Estado entre quatro paredes, não mediram as consequências nem os danos institucionais que seriam causados nas relações do país com as demais  nações.

Agora estão se dando conta do isolamento enfrentado pelo Brasil. Um isolamento que só será recuperado com eleições diretas e um governo legítimo.

Serra está saindo de fininho. Certamente o problema de coluna existe, mas pode ter sido usado como pretexto. Ele sabe que o governo está com os dias contados.

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