O brasiliense é, antes de tudo, um réptil

Quando a seca chega a Brasília o sol nasce tórrido e segue o dia torrando tudo.

Árvores peladas, chão coberto de folhas, gente feito répteis serpenteando os caminhos poeirentos dos gramados pardos da cidade.

No fim do dia, uma bola vermelha treme no horizonte, atrás da lente de fuligens de queimadas, de poeira, e é engolida pela boca seca da noite.

Tenho vontade de ir embora a procura de sombra e água fresca.

Mas eis que o solo fermenta, a seiva sobe por caules desfolhados e faz desabrochar flores coloridas nas pontas dos galhos.

Matuto que sou, fico encantado com os manacás, os ipês, as sucupiras, os angicos brancos,  os flamboyants, com todas as árvores atrevidas do cerrado, que desafiam a seca, meio que me distraindo à espera das primeiras chuvas.

Quando a chuva cai tudo brota, tudo se renova, e um verde viçoso, novinho em folhas, tinge a paisagem.

Os insetos que se enfiaram debaixo da terra para se protegerem da seca e do calor, grudados nas raízes úmidas de plantas e árvores, saem dos buracos em que se meteram, escalam os troncos em verdadeiras expedições, em busca do néctar das flores, passeiam nas cores das pétalas e se fartam.

A passarada, na espreita, espera uma suculenta formiga distraída, uma joaninha, uma alegre cigarra zoando por aí e crau! glup! Em segundos engole os insetos vivos.

De papo cheio, canta em festa, de galho em galho.

Aí me acalmo.

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