O compasso do tempo no oco do mundo

Quando a barra do dia começava a vermelhar atrás dos morros, no silêncio da manhã, logo se ouvia ecoar ao longe: tem.. tem.. tem… tem… tem… Era Jesuíno Ferreiro de marreta na bigorna, cigarrão de palha no canto da boca, olhos esbugalhados, avental de couro surrado, trabalhando na forja, derretendo ferro no braseiro soprado com o fole, fazendo ferraduras para os cavalos.

No ar, o cheiro do café no bule sobre a chapa quente e a fumaça das chaminés das casas tingindo o céu, dando sinais de vida.

Sábado, dia de feira e de entrega das encomendas, na frente da oficina, os cavaleiros cravavam as ferraduras nas patas dos animais.

Calçados de ferro, era hora de experimentar a novidade dando voltas  nas ruelas e na pracinha de chão batido.  Os cavaleiros mudavam até a pose na montaria. Queriam ouvir o tinido das ferraduras e exibir, felizes, para as moças, os cavalos de sapatos novos. Quem sabe motivo para uma conversa? Da conversa um namoro, do namoro um casamento?

À noite, na estrada, de volta para casa, no tropel viageiro, as ferraduras nas patas dos animais tiravam faíscas das pedras, riscando o breu.

No dia seguinte, quando vermelhava a barra do dia atrás dos morros: tem… tem… tem… tem… tem… assim era  o compasso do tempo no oco do mundo.

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