Saci? Já vi um.
De vez em quando ele aparece.
Em frente à janela do meu escritório tem um arvoredo. Enquanto olhava a chuva mansa que caía lavando a longa seca de Brasília, – depois da ventania, de raios e trovões – vi um vulto rodopiando num redemoinho, atrás das árvores, de uma para outra. Girava muito rápido. Estiquei o olhar para ver direito.
Meio arredio, ele foi chegando, chegando, e vupt, pela janela. Era o Saci com seu gorro vermelho e cachimbo na boca. Não estava molhado. Sequinho! Um mistério!
O susto foi grande. A única exigência que fiz foi que ele deixasse o cachimbo no canto da janela, do lado de fora. Detesto cheiro de fumo. Tenho acesso de espirros.
Tive uma manhã divertida, mas com momentos fortes de reflexão. Saci não é duende só brincadeira. Ele veio com cada conversa que me deixou embaraçado.
Diz coisas simples, mas profundas, que têm a simplicidade apenas como porta de entrada. Quando se adentra, é aquele universo! A gente fica pequenininho feito um grão de areia. Depois, ao retornar, toma pé. Fica grande de novo, dono da situação.
Só nós dois no escritório, naquela manhã, acabou rolando um “papo-cabeça” de primeira.
Todas as vezes que a gente se encontra ele me pede para ajudar na preservação de florestas, dos rios, dos lagos, dos mares, de tudo que é vivo.
Diz ele, que sem isso morrerá, junto com nosso duendes: Mula-Sem-Cabeça, Curupira, Boitatá, Mãe Dágua, Bicho Coleira e muitos outros, em extinção.
– Extinção cultural, que é a mais cruel, porque acaba até com as raízes do registro da nossa existência, disse o Saci.
E emendou, se não fosse Monteiro Lobato e outros escritores eu, por exemplo, não estaria aqui. Nem eu nem outros duendes, disse o Saci.
A colonização do Brasil é tão estúpida que os cursos de inglês trouxeram para cá a festa Halloween, dos Estados Unidos, e as escolas adotaram a festa no calendário oficial, em vez de uma festa com nossa turma. Estão nos suprimindo. Não sou xenófobo, mas a gente não ter um dia nosso, no calendário escolar, é demais.
Que tal fazermos um intercâmbio? Levem os duendes brasileiros para as escolas dos Estados Unidos, para fazermos umas festas por lá. Quem sabe a moda pega?
Se incluirem festas de nossos duendes nos calendários escolares das nossas escolas, vou com orgulho, de gorro vermelho, claro, única roupa que tenho.
Tem essa polêmica do nu aí, encabeçada por gente obscurantista, mas nunca usei roupa e vou assim mesmo, como fui concebido.
Ah! Prometo deixar o cachimbo do lado de fora. Pega mal né?
Notou que as casas brasileiras estão cada vez mais parecidas com as de Miami? Os jardins estão cheios de Sete Anões, Branca de Neve, e outros estrangeiros, como se os duendes brasileiros não existissem.
Na conversa comprida que tivemos, senti que o Saci estava ressentido porque os brasileiros os trata como se fossem seres inferiores, por terem sido criados por povos indígenas e africanos. Ouvi tudo isso na poltrona, sem dar um piu. Queria muito ouvi -lo. Senti que ele tinha muito a dizer.
De repente ele virou pra mim e disse:
– Parece que você não está gostando da conversa, não é?
Rodopiou, pegou o cachimbo do lado de fora da janela, arrumou o gorro na cabeça e disse: chau! Vupt! E desapareceu no redemoinho. Foi tudo tão rápido e intenso que ficou parecendo um sonho.
A conversa foi comprida. Se fosse contar tudo da minha conversa com o Saci, o dia viraria noite, ia até o galo cantar.
Só Saci Salva!