Os banquinhos da cidade

São filhos do bico do lápis e do papel manteiga, do urbanista Lúcio Costa, certamente em estado de graça, quando desenhava as quadras de Brasília, os primeiros blocos sobre pilotis. São irmãozinhos das paradas de ônibus. No meio do gramado, lá estavam eles, imaginados para acolher os moradores e suas prosas, nos banhos de sol das manhãs brilhantes, de céu azul da cor do mar. Para contemplar tardes silenciosas, de sombras compridas, até a boca da noite, antes de subir para o apartamento, tomar banho, jantar e dormir.

Os banquinhos espalhados por Brasília são patrimônio arquitetônico da cidade. Deveriam ser cuidados pelos governos, feitas manutenções periódicas, mas estão abandonados feito cães sardentos, alguns nem existem mais nos lugares que foram colocados.

Certas pessoas, aquelas que vêem o mal por todos os cantos, não gostam dos banquinhos. Dizem que servem para jovens fumar maconha, atrair bandidos, pintados pela violência massificada por programas de TV, esses que vendem sangue todos os dias. Não percebem que os banquinhos são pontos de encontros amorosos, de alegria, de gargalhadas excitadas nas paqueras de adolescentes.

Que tal recuperar os banquinhos? O correto seria o governo fazer esse trabalho, os impostos para isso foram pagos, mas as dúvidas, se vão assumir a responsabilidade ou não, são maiores do que a esperança.

Com certeza geraria empregos para quem trabalha na construção civil, impostos de materiais vendidos para a obra e recolhimento de contribuições previdenciárias para os trabalhadores de carteira assinada.

Caso o governo continue sem dar importância à recuperação dos banquinhos, moradores deviam assumir essa tarefa cidadã, mas, com uma condição: consultar os órgãos que cuidam do patrimônio arquitetônico da cidade sobre essa possibilidade.

Se concordarem, fazer respeitando rigorosamente o padrão original, com supervisão técnica dos órgãos do governo. Isso é fundamental. Quem está recuperando precisa ter consciência de que está lidando com um patrimônio histórico e cultural da cidade, que ficará para as gerações futuras. Não poderia, portanto, meter as mãos na obra conforme seu gosto pessoal.

Não sei quem, talvez pessoas obtusas, cobriram alguns com azulejos coloridos, pintaram e bordaram com cores vibrantes. Espalharam outros tipos por aí, de formato diferente, nada a ver com os banquinhos originais planejados por Lúcio Costa.

“Da tradição quero apenas o fogo, a cinza não me interessa”. Ouvi essa frase nas noites de Brasília. Não sei de quem é. Perdoe-me autor e leitores, mas não poderia deixar de citá-la. Afinal, a gente quer a chama, que ilumina. Antropofágicos que somos, costumamos cultivar a ancestralidade reinventando a tradição. Porém, os banquinhos, bom seria recuperá-los preservando a originalidade deles, imaginada pelo criador.

Enfim, o desprezo pelos banquinhos precisa acabar. Foram criados para o convívio dos moradores, assim como os pilotis, os parquinhos para as crianças, os gramados, jardins, árvores, quadras de esporte, tudo isso imaginado e desenhado amorosamente para o bem viver.

Salve os banquinhos da cidade!

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