Comadres do sertão profundo
As amiguinhas vinham de longe, de detrás dos morros azuis, por estradas de chão batido, cortando veredas com suas alpercatinhas de couro, vestidinhos floridos, um turbante na cabeça para não empoeirar os cabelos, brinquinhos dourados pendurados nas orelhas e uma sombrinha para se protegerem do sol escaldante.
Vestiam como todas as comadres do sertão, cabelos enrolados em coque, presos por um pente arqueado, cravejado de pedrinhas brilhantes.
Quando chegavam, era sempre uma alegria encontrar as comadres. Tomavam um café forte, plantado, colhido e coado, comiam biscoito de polvilho, um pedaço de bolo, enquanto davam notícias dos parentes e aderentes. Já se sabia que as visitas, quase sempre, eram para conversas reservadas. Coisas de comadres.
Logo minha mãe pedia para um dos meninos levar duas cadeiras e colocar, uma de frente para outra, debaixo do pé de manga rosa. Árvore de copa imensa, a sombra parecia um salão.
Aquele momento era de assuntos íntimos. Ninguém chegava perto. A curiosidade sobre a vida alheia era inadmissível.
A conversa rendia horas. Sobre o casamento da filha que não ia bem, o amor ao marido não correspondido, alguém doente na família, a saudade doída de filhos que foram trabalhar em São Paulo e não davam notícia, o noivado do filho tão jovem, preocupações com a travessia da seca, colheita insuficiente, coisas assim.
Encerrada a conversa, lá vinham as duas caminhando por entre o milharal verde, novinho em folhas, de olhos inchados de tanto chorar, mas com os semblantes serenos, às vezes até rindo delas mesmas. A comadre aliviada por ter encontrado Dona Mariquinha volta pra casa com os sentimentos arrumados e a compreensão ligada.
Minha mãe era assim, escutava, guardava os segredos das amigas debaixo de sete chaves, ajudava nos momentos mais difíceis.
(*) Meus pais: Genésio e Mariquinha. Ele, carinhosamente, a chamava de Lica.
Os netos também: Mãe Lica. Os sobrinhos, tia Lica. O povo, Dona Mariquinha.