O PT está sendo tratado como penetra na festa
Os fatos recentes que estão escandalizando o país simplesmente expõem parte do que ocorre no submundo da política brasileira.
O problema é que as investigações estão tomando o rumo de uma degradação institucional gravíssima, marcada por espetacularização dos fatos, superando todos os limites éticos, morais, funcionais, que ameaçam a ordem constitucional e a maior conquista de uma nação: o Estado democrático de direito.
Concluída essa fase com tamanho desvirtuamento, é muito provável que a República passe a viver imenso desequilíbrio e desarmonia entre os poderes e, talvez, até uma subordinação dos demais poderes ao judiciário, a seus órgãos auxiliares, ao poder policial e ao chamado “quarto poder”: a imprensa senhorial, que tem se encarregado de legitimar o espetáculo para a opinião pública.
A hipocrisia aparece reluzente nas faces de autoridades e jornalistas.
As câmeras têm revelado com riqueza de detalhes aspectos sombrios do caráter de personagens desse espetáculo.
O roteiro das tais investigações, até o momento, parece ter final previamente estabelecido: transformar contribuição legal de campanhas eleitorais em “propina”, criminalizar o PT e impedir seu líder maior, Lula, de disputar as eleições de 2018, porque sabem que as chances de ele ser eleito são reais e a oposição perderia a perspectiva de voltar ao poder.
As investigações não vão além da superfície do sereno mar que encobre o financiamento das campanhas eleitorais de governos anteriores a 2003 e muito menos de alguns candidatos da oposição que disputaram as eleições em 2014.
As campanhas eleitorais no Brasil estão entre as mais caras do mundo e sempre esconderam as relações entre o público e o privado. Isso é fato.
Especialistas da Universidade de São Paulo (USP) calcularam que nas eleições municipais de 2004, que deram origem às investigações do “Mensalão”, por exemplo, cerca de 400 mil políticos empregaram algo em torno de 12 milhões a 16 milhões de trabalhadores, para uma disputa de 55 mil vagas de vereador e 5.600 cargos de prefeito no país.
A infraestrutura das campanhas eleitorais municipais de 2004 – propaganda dos candidatos veiculada pelos mais variados meios de comunicação – comícios, shows, alugueis, equipamentos de comitês eleitorais, assessores, enfim, custou cerca de 5 bilhões de reais. O total gasto atingiu a cifra de 41 reais por eleitor.
Os estudos estimam que, por baixo, mais da metade do dinheiro envolvido em campanhas não aparece nas prestações de contas.
Cerca de 70% a 80% das despesas dos candidatos não são registrados como manda a lei. O que daria em média geral 1 real para o caixa oficial e 3 reais para o caixa dois.
Quem adota o “caixa dois” costuma dizer que as contribuições sem registro são feitas a pedido dos contribuintes que não querem se expor para não revelarem preferências políticas.
O professor David Samuels, da Universidade de Minnesota, pesquisador do processo eleitoral no Brasil, analisou o perfil de doadores oficiais a partir dos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e chegou à conclusão que as candidaturas à Presidência da República são financiadas com maior volume de recursos do setor financeiro e da indústria pesada, como a de aço, a petroquímica e a agroindústria.
Isso por que a Presidência da República é quem responde pela macroeconomia (juros, tarifas, câmbio e política de exportação). Além disso, lida com marco regulatório e concessão de subsídios.
Os setores financiadores das campanhas à Presidência da República costumam ser os mesmos das candidaturas ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados porque os assuntos tratados no Senado e na Câmara são também do âmbito da União.
Já as candidaturas a governador recebem mais recursos de empreiteiras, isso porque as grandes obras estão mais concentradas nos Estados.
Os candidatos a prefeito e vereador recebem mais recursos das empresas concessionárias de transporte público e de coleta de lixo.
A campanha à reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso é considerada por especialistas a mais cara da história do país.
A campanha à reeleição já nasceu contaminada. Segundo denúncia publicada na época pelo jornal Folha de São Paulo, do jornalista Fernando Rodrigues, a aprovação da emenda que possibilitou a reeleição contou com a compra de voto de vários parlamentares na Câmara dos Deputados, por R$ 200 mil cada um.
No início da campanha presidencial de 1998, segundo informações e documentos amplamente divulgados na época, o comitê eleitoral responsável pelas articulações da reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elaborou um orçamento minucioso de gastos e concluiu que, para cobrir todas as despesas do pleito, seriam necessários R$ 73 milhões.
Esse orçamento prévio foi comunicado ao Tribunal Superior Eleitoral. Passadas as eleições o comitê fez as contas e encaminhou a declaração oficial de doações ao TSE, informando que o total arrecadado e gasto na campanha foi de R$ 43,022 milhões.
Um grande número das empresas que contribuíram com a campanha eleitoral, na época, tinha contratos com empresas estatais e com órgãos públicos governamentais. No entanto, em nenhum momento foram investigadas e nem a contribuição delas para as campanhas eleitorais foram denominadas “propina”.
A revista Época, de 30 de novembro de 1998, informou que a equipe que cuidou das finanças, dias depois do envio da lista ao Tribunal, refez as contas e
concluiu que os gastos foram de R$ 45,931 milhões, uma quantia muito superior ao total declarado ao TSE.
Esse desencontro de valores, entre o que se arrecadou, o que se gastou e o que se declarou ao TSE, jamais foi explicado pelos coordenadores, diz a revista. Paira sobre esse assunto uma nuvem de mistério.
Curioso é que na campanha de 1998 o candidato Fernando Henrique Cardoso viajou menos, fez menos comícios do que em 1994, mas gastou R$ 10 milhões a mais, segundo a revista.
O comando da campanha na época, diante do volume das dívidas deixadas pelo comitê, foi obrigado a reunir a equipe financeira e colocá-la de novo em campo para arrecadar mais dinheiro dos empresários para cobrir o rombo.
A revista Época informou ainda que as solicitações foram deliberadamente concentradas nos grupos empresariais que compraram as estatais.
Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, por que isso não foi investigado? Por que as contribuições de campanha não foram consideradas “propina”?
Na segunda quinzena de outubro daquele ano (período proibido pela lei), foram arrecadados R$ 8,2 milhões. Essa decisão foi absolutamente imoral e contrariou a legislação eleitoral, mas mesmo assim a arrecadação de recursos foi feita, diz a revista.
A matéria segue dizendo que, entre as empresas que doaram recursos após o pleito, estão a Vale do Rio Doce, Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) e Telebras.
As subsidiárias da Vale do Rio Doce doaram R$ 1,5 milhão. Os donos da Copesul, R$ 1 milhão e os grupos La Fonte/Jereissati/Andrade Gutierrez e Inepar, que haviam comprado as empresas do sistema Telebras, doaram R$ 2,5 milhões, informa a reportagem.
A matéria diz também que no final da ofensiva dos coletores, os dirigentes do comitê disseram que ficaram faltando R$ 2,9 milhões para liquidar as contas.
Na mesma matéria, Época destacou o setor financeiro como o que mais contribuiu para a campanha à reeleição de Fernando Henrique Cardoso.
Em 1994, os banqueiros deram R$ 7,1 milhões. De cada R$ 10,00 que entraram no caixa da campanha, R$ 4,30 originaram-se do setor financeiro.
Em 1998, a aposta do setor no candidato à reeleição atingiu 43% (R$ 18,6 milhões) do total arrecadado, mais que o dobro da campanha anterior.
Conforme a revista, apenas cinco conglomerados financeiros contribuíram com quase R$ 10 milhões.
Somados, responderam por 66,1% das doações feitas pelo setor financeiro e 28,6% do total de contribuições declaradas na campanha presidencial.
As controvérsias sobre o financiamento da milionária campanha à reeleição de Fernando Henrique Cardoso não pararam por aí.
Para complicar ainda mais a vida do tucanato a Folha de São Paulo, de 12 de novembro de 2000, publicou uma vasta matéria com informações comprometedoras, obtidas de planilhas eletrônicas datadas de 30 de setembro de 1998, vazadas do comitê eleitoral do candidato tucano. Essas planilhas, segundo o jornal, revelam a existência de uma contabilidade paralela de arrecadações e gastos da campanha.
O jornal informou que pelo menos R$ 10,120 milhões deixaram de ser declarados ao TSE e que, de cada R$ 5,00 arrecadados R$ 1,00 era desviado para uma contabilidade particular desconhecida.
Segundo a reportagem além dos R$ 10,120 milhões não declarados oficialmente ao Tribunal, feitos os cálculos, tomando por base a planilha completa, ficaram de fora R$ 4,726 milhões, doados por empresas que constam da lista do TSE, com valores menores do que os da planilha que aparecem sob a rubrica de uma associação de classe dos empreiteiros.
O dinheiro arrecadado pelo comitê financeiro, descrito em 34 registros na planilha principal, obtida pelo jornal, totaliza R$ 53,120 milhões.
É importante lembrar que na data constante da planilha, a qual os repórteres tiveram acesso, o comitê ainda não havia registrado todas as contribuições o que leva a crer que o volume de recursos não declarados devia ser muito maior, levando em consideração que o orçamento estimado inicialmente pelo comitê para os gastos, e comunicado ao TSE, era de R$ 73 milhões.
Nota-se que havia margem suficiente para declarar os recursos constantes na contabilidade paralela em questão. Mas parece que a equipe financeira não o fez.
As razões não foram esclarecidas à imprensa, que insistentemente tentou sem sucesso obter explicações dos responsáveis pelas contas. Toda essa história acabou envolta num manto de mistério.
Na época da divulgação das informações das planilhas pelo jornal, os repórteres andaram escarafunchando a lista de contribuintes da campanha da reeleição e trouxeram à tona informações preciosas.
Os colaboradores, ao verem seus nomes e os nomes de suas empresas publicados nos jornais, não conseguiram esconder o constrangimento.
Muitos deles acabaram dando informações contraditórias. A lista mais parecia um condomínio de interesse.
A maior doação constante na planilha publicada foi de R$ 3 milhões e não teve registro no TSE, segundo o jornal.
O jornal atribuiu a coleta dessa contribuição ao ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, Andrea Matarazzo.
Ele negou dizendo que não participou do grupo de arrecadadores e que apenas realizou alguns jantares com empresários. Mas, membros da equipe financeira afirmaram ao jornal que Andrea Matarazzo fazia parte sim do grupo de coletores.
Um detalhe: os repórteres do jornal dizem que na planilha não constava registro da procedência do dinheiro.
O publicitário Roberto Duailibi, dono da agência DPZ, em entrevista à Folha de São Paulo, disse no primeiro momento que havia contribuído com R$ 7,5 mil.
Quando ficou sabendo que a sua doação não estava registrada no TSE ligou para o jornal e disse que a empresa dele não havia contribuído com a campanha.
Porém, consta na planilha, segundo o jornal, que a DPZ contribuiu com R$ 200 mil. Outro publicitário, Geraldo Alonso, da agência Publicis Norton disse ao jornal que contribuiu para a campanha com serviços de publicidade.
O valor do trabalho prestado pela agência dele registrado na planilha foi de R$ 50 mil. Em seguida ele negou que havia prestado serviços.
A empresa Atlântica Empreendimentos Imobiliários, da banqueira Kátia Almeida Braga, (Grupo Icatu), uma das coletoras de recursos, segundo o jornal, afirmou que contribuiu com R$ 100 mil e que teria recibo emitido pelo PSDB.
Esse valor aparece na planilha a que o jornal teve acesso e não foi registrado na contabilidade oficial.
Numa investida no Rio de Janeiro, segundo a reportagem, Kátia Almeida Braga procurou dezoito empresários. Uma das empresas da lista era a Sacre, de Salvatore Cacchiola, aquele do caso Marka e FonteCindan. Kátia Braga conseguiu da empresa dele uma doação de R$ 50 mil para a campanha.
Outra empresa que chama atenção na lista de contribuintes da campanha de Fernando Henrique Cardoso é a Vasp, de Wagner Canhedo, um dos acusados de integrar o “esquema PC”, no governo Collor, e que responde até hoje a vários processos na justiça.
Segundo o jornal, a empresa de Canhedo era devedora, na época, de mais de R$ 3 bilhões ao governo. Canhedo doou R$ 150 mil e não consta na declaração do TSE, diz o jornal.
No caso da Vasp a lei proíbe doações, mas a direção da empresa confirmou a doação à Folha de São Paulo.
Além desses casos, existem muitas outras irregularidades reveladas pela imprensa, na época, como por exemplo, doações feitas por Universidades e escolas privadas. A legislação proíbe instituições de ensino de participar de financiamento de campanhas eleitorais, mas o jornal afirma que muitas contribuíram.
A diferença do “caixa dois” da reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do “caixa dois” das eleições municipais de 2004 é que lideranças do PT foram investigadas por todas as instituições da República, foram condenadas e presas, enquanto que membros do PSDB, do PFL e de outros partidos da oposição não foram investigados e hoje flanam na desgraça do PT.
O deputado José Dirceu, em seu depoimento ao Conselho de Ética, lembrou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse certa vez que não admitiu a instalação de CPIs durante seu governo porque sabia que uma CPI o derrubaria.
Pode-se dizer que o financiamento de campanhas eleitorais com recursos do submundo da política das elites por intermédio de “caixa-dois” é uma prática institucionalizada.
O problema é que o PT resolveu ampliar o campo de alianças para um governo de coalização e parte da cúpula do partido resolveu participar de campanhas eleitorais com financiamento de empresas privadas, em igualdade de condições com os demais partidos, de acordo com a legislação eleitoral vigente.
Apresentou o projeto de desenvolvimento sustentável com inclusão social, afirmação de direitos e combate à pobreza extrema, investimentos na construção da infraestrutura com geração de empregos e de um mercado interno de consumo.
O empresariado que sofreu as agruras da política econômica do governo Fernando Henrique topou o projeto. Agora o PT está sendo ridicularizado como se fosse um penetra na festa da elite política e econômica.