O Amor Distante

Além do fotografo extraordinário que é, com vários livros publicados e uma brilhante carreira no fotojornalismo e na fotoarte, Luiz Clementino é um pesquisador,  vive mergulhando na nossa história e trazendo das profundezas pérolas maravilhosas.

Desta vez ele trouxe O Amor Distante cantado em versos pelos migrantes  mais queridos da nossa música, nossos intérpretes do Brasil continental, que embalam em canções a dor da partida e a saudade dos grandes amores deixados nos lugares onde nasceram.

 

O Amor Distante

 

 

Por Luiz Clementino

        

Houve época em que nosso país, quando colônia, era constituído por províncias.

As subdivisões facilitavam a exploração predatória pela metrópole dos fartos recursos naturais da Terra de Santa Cruz.

Como Portugal dependia economicamente do Brasil, e, visando qualquer revolta por independência, proibiu a comunicação entre as regiões produtoras.

Em consequência, os percursos entre esses agrupamentos populacionais em áreas estratégicas eram demorados e difíceis.

As aglomerações, mais tarde, se tornaram grandes centros urbanos,   gerando assim, também, Volumosa concentração de renda.

Com a vinda de D. João VI e a corte para o Brasil, em 1808, escorraçado por Napoleão Bonaparte, o Príncipe Regente, além de outras providências unificou essas regiões.

O Brasil, um país continental, de clima e cultura diversos, se uniu, mas com longas distâncias a percorrer e acessos precários.

De acordo, com meu amigo historiador Luis Henrique, se a unificação não tivesse acontecido nosso país seria um retalho de republiquetas, similar à América Central.

Em decorrência da dificuldade de acesso, os recursos, de um modo geral, no interior, eram escassos. Em busca de melhores oportunidades, muitos deixavam o torrão natal, largavam pai, mãe, amigos e amores talvez para nunca mais. E iam tentar a vida nos grandes centros urbanos. Esse êxodo, na verdade, era uma grande jornada. O longo percurso era feito de navio, de jardineira, de trem, no pau de arara e até a pé.

O adeus retirante foi a gênese para “CANCIONEIRO POPULAR” criar belas canções com os corações encharcados de saudade e nostalgia. Verdadeiros hinos de amor, são cultuados até hoje.

Vários artistas, de diversos gêneros musicais e de épocas distintas, trilharam por essa estrada. Para nós, que não vivemos sem música, canções desse feitio nos encantam e nos fascinam. Dentro desse acervo sonoro que chegou até nós podemos listar algumas dessas maravilhas. Vejam:

DORIVAL CAYMMI compôs uma belíssima toada que narra a história de um cidadão que deixa Belém do Pará em uma embarcação e vai pro Rio morar. O poema é de uma doçura, delicadeza e ternura sem tamanho. Ele canta em versos que na hora da despedida sua mãe lhe dá conselhos e também que ele tem intenção de retornar, mas vai ficando… ficando…ficando e não volta nunca mais. Vejam:

… Mamãe me deu conselhos

Na hora de eu embarcar

Meu filho ande direito

Que é pra Deus lhe ajudar…

Tô há bem tempo no Rio

Nunca mas voltei por lá

Pro mês intera dez anos

Adeus, Belém de Pará…

 

Confiram na voz de Nana:

https://www.youtube.com/watch?v=9pcge-lrcRY

 

Nessa mesma linha, temos a tradicional “SAUDADES DE ARARAQUARA”, onde a estupenda dupla caipira ZÉ CARREIRA E CARREIRINHO narra o êxodo rural para cidade grande. Em bela viola, eles cantam:

 

Eu parti de Araraquara…

…Os olhos que lá me viram

De certo não me veem mais….

Os agrados de outro amor

Para mim não satisfaz…

…E me vi beijando a rosa

Onde que o sereno cai

Adeus minha rosa branca

Adeus para nunca mais.

 

https://www.youtube.com/watch?v=v40HB6AlNH0

 

Na versão de TONICO E TINOCO a letra é modificada:

quando vim da minha terra, deixei mãe e pai…

Meu amor me procurava

Notícias pelos jornais…

 

https://www.youtube.com/watch?v=GT5dZMJgECs tonico e tinoco

 

GOIÁ, outro compositor notável, um dos poetas maiores do gênero caipira escreveu o belíssimo poema “SAUDADE DA MINHA TERRA”, musicada por Belmonte. Conta o arrependimento do retirante por ter deixado o interior, pois a nova vida da cidade,lhe traz imensa saudades do campo e do mato. Vejam:

De que me adianta, viver na cidade,

Se a felicidade não me acompanhar.

Adeus paulistinha do meu coração,

Lá pro meu sertão eu quero voltar.

Ver na madrugada, quando a passarada,

Fazendo alvorada, começa a cantar,

Com satisfação, arreio o burrão,

Cortando o estradão, saio a galopar;

E vou escutando o gado berrando,

Sabiá cantando no jequitibá…

 

https://www.youtube.com/watch?v=b0iFrYwy72I Goiá e Biá

JOÃO GILBERTO pegava o trem em Juazeiro, no sertão da Bahia, com destino a Salvador para tentar a vida. E, anos depois, gravou:

O trem blim blom blim blom

Vai saindo da estação

E eu

Deixo meu coração

Com pouco mais

Com pouco mais

Com pouco mais

Lá bem longe o meu bem

Acenando com lenço

Bandeira da saudade

Muito além…

 

https://www.youtube.com/watch?v=7lXsfP3W9Pc

 

Dentro desse contexto da saudade da terra querida e extrapolando as fronteiras do Brasil, surgiu uma obra-prima. É impossível não falarmos de um dos grandes expoentes literários do nosso Romantismo: GONÇALVES DIAS.

 

Ele escreveu um primor de poema, um texto estupendo, encharcado de saudade e incerteza, a belíssima CANÇÃO DO EXÍLIO.

 

Sua biografia diz que esse maranhense, filho de uma união não oficializada entre um comerciante português com uma mestiça, foi estudar em Portugal. Em 1838 terminou os estudos secundários e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. E, provavelmente, de lá escreveu:

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

 

E, finalmente, uma das peças regionais mais bonitas do planeta. HUMBERTO TEIXEIRA e LUIZ GONZAGA descrevem no baião “ASA BRANCA” a necessidade do sertanejo em deixar o sertão, devido as agruras da seca e das injustiças sociais. E, com o coração partido, ele promete que um dia voltará para os braços do seu grande amor, quando diz:

 

Quando o verde dos teus óio

Se espaiar na plantação

Eu te asseguro, não chore não, viu

Que eu voltarei, viu

Meu coração…

 

Sem dúvida, uma das páginas mais expressivas da nossa antologia musical popular. LUIZ GONZAGA, com sua bela voz cheia de sentimento, e como diz o amigo Laurez: “uma voz que nunca desafina”, nos transmite muita dor e incompreensão devido a trágica situação do nosso país.

https://www.youtube.com/watch?v=cWiJL0_yj9c

https://www.youtube.com/watch?v=A5r2_wGk1dI

E aconteceu, então, um final feliz, o imigrante retorna ao sertão. Contrai casamento com Rosinha. E o sertão está verde como os olhos da amada. E, assim, LUIZ GONZAGA canta “A VOLTA DA ASA BRANCA”, em um belíssimo solo de sanfona, com sonoridade árabe:

Sentindo a chuva

Eu me arrescordo de Rosinha

A linda flor

Do meu sertão pernambucano

E se a safra

Não atrapaiá meus pranos

Que que há, oh seu vigário!

Vou casar no fim do ano.

 

https://www.youtube.com/watch?v=oRbgNrp7z-A

 

O fato é que esse drama amoroso é cultuado há séculos. E como foi dito antes, é campo fértil para grandes peças musicais, como também para outras expressões artísticas. Na verdade, os artistas produzem em qualquer situação, seja adversas ou favoráveis. E na dor do “AMOR DISTANTE” a coisa toma proporções enormes, até porque “…no adeus pra nunca mais, quem parte leva saudade, mas pra quem fica é muito mais…”.

 

  1. Para encerrar vejam mais duas pérolas sobre o tema:

https://www.youtube.com/watch?v=xcblzC3W_Js   TÃO LONGE Carlos gomes

https://www.youtube.com/watch?v=nC2I-5WsJxg       FELICIDADE Joana

 

 

 

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