O triunfo dos cafajestes
Brasília brilha sob o sol e o céu de maio, talvez o mais azul dos céus do Brasil. Tão azul que pode ser riscado com giz.
Esparramada no cerrado pintado de arbustos cobertos por flores brancas, rosas e lilases, neste outono, a cidade avança na “marcha para o Oeste”, ainda atraindo gente, integrando e levando desenvolvimento para todos os cantos do Brasil, como sonhado pelos idealizadores.
Historicamente tão jovem, a cidade guarda na memória momentos dramáticos: tentativas de golpe no governo Juscelino Kubitschek; o golpe de 1964, com tanques nas avenidas, e 21 anos de ditadura militar; o impeachment de Fernando Collor; e agora a trama do primeiro golpe de Estado no Brasil, sem armas, forjado nos gabinetes por setores das próprias instituições da República, seguindo o modelo aplicado em Honduras e no Paraguai, tendo o Judiciário e os órgãos auxiliares, Ministério Público e Polícia Federal, como ponta de lança.
No Palácio do Planalto, a Presidente Dilma, a primeira mulher eleita e reeleita democraticamente, resiste bravamente ao golpe comandado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, em parceria com o vice-presidente Michel Temer, apoiado por uma horda de parlamentares do mais baixo nível da história da República. (Agora nas mãos do presidente do Senado, Renan Calheiros),
Eduardo Cunha tem demonstrado ser o mais poderoso entre os conspiradores. Além de ter a maior fatia de parlamentares do Congresso a seus pés, como ficou claro na votação do pedido de impeachment da Presidenta Dilma, Eduardo Cunha demonstra também ter ascensão sobre o Vice-presidente Michel Temer e sobre o presidente do Senado, Renan Calheiros.
Um mistério ronda a figura de Eduardo Cunha, réu no STF, e respondendo a vários inquéritos. Não se sabe exatamente a extensão dos tentáculos dele tanto nos paraísos fiscais quanto na teia de políticos e magistrados.
As contas na Suíça são o mais importante que se conseguiu descobrir. Há muito mais mistérios entre o céu e a terra. Existem outros paraísos fiscais como as ilhas Cayman, países da América Central, da África e da Ásia, que também operam com dinheiro clandestino, proveniente de corrupção, do tráfico de armas e do narcotráfico.
Há quanto tempo Eduardo Cunha opera para o PMDB de Michel Temer, de Moreira Franco, de Eliseu Padilha, de Romero Jucá, e de tantos outros, que no los puedo contar?
Há suspeitas de que ele, como um homem extremamente competente no ramo da corrupção, deve ter gravações de todos os negócios do submundo da roubalheira, das tratativas de ações políticas e judiciais, e que isso provavelmente tenha se transformado numa arma muito poderosa para chantagem e submissão dos seus asseclas aos seus desígnios.
Talvez por isso, Eduardo Cunha reina no Brasil sem que ninguém o detenha, o destitua da presidência da Câmara e o prenda. Ele, a mulher e a filha, com todas as provas apuradas, flanam sob contemplação de magistrados, de policiais da Polícia Federal, de procuradores do Ministério Público, de ministros do STF, e deve rir da cara de todos eles.
Eduardo Cunha debocha das autoridades, desobedece ordem judicial do ministro Marco Aurélio Melo, do STF, não instala comissão para investigar o vice Michel Temer, que se encontra na mesma condição de acusação de ter assinado decretos das tais “pedaladas fiscais”.
No entanto, magistrados mandam prender inocentes, sem provas, perseguem e humilham pessoas, como, por exemplo, o ex-presidente Lula e sua família.
Temer deve tremer diante de Eduardo Cunha. No auge da explosão do esquema da Petrobras, Temer era presidente do PMDB, função que exerceu anos a fio.
Os fatos indicam que Eduardo Cunha sabe de detalhes da vida de Temer e das ramificações do financiamento de campanhas eleitorais do PMDB.
Temer é citado em quatro delações premiadas, mas não se fala mais nisso. Praticamente toda a cúpula do partido está sendo investigada.
Recentemente Eduardo Cunha desafiou as instituições da República quando disse que permanecerá no cargo de presidente da Câmara até 2017. Ele está seguro disso, conseguiu maioria no Conselho de Ética da Câmara e não permite aprovar o pedido de cassação do seu mandato.
Ele tem votos no Plenário da Câmara, suficientes para mandar arquivar qualquer processo de cassação de seu mandato.
Se for afastado da Presidência da Câmara, pelo Supremo Tribunal Federal, ele tem votos na bancada para se eleger líder do PMDB e de lá comandará a Câmara do mesmo jeito. Ele tem a bancada que votou na admissão do processo de impeachment da Presidente Dilma na mão.
Se cada voto para aprovar o projeto que possibilitou a reeleição de Fernando Henrique Cardoso custou R$ 200 mil, como foi denunciado pelo ex-deputado Ronivon Santiago ao jornal Folha de São Paulo, à época, é possível imaginar que, caso tenha havido compra de votos para aprovar a instauração de processo de impeachment da Presidenta Dilma, o preço de cada voto pode ter atingido valor recorde.
O fato é que Eduardo Cunha se apresenta como o mais bem acabado político do Congresso para fazer o serviço sujo do grande capital. É provável, que não existe no Brasil alguém mais credenciado e capaz do que ele para operar os negócios de interesses da elite brasileira e das grandes corporações internacionais.
O mundo dos grandes negócios precisa dele. Ele é peça estratégica para as ações de um eventual governo Temer e tem poder para isso.
Federações de Indústrias (Fiesp e outras), Federação dos Bancos (Febraban), corretoras de bolsas de valores, especuladores financeiros daqui e das nações centrais devem estar esfregando as mãos, prontos para os negócios.
Num eventual governo de Michel Temer, Eduardo Cunha, na Câmara, pode transformá-lo numa espécie de despachante de luxo do Palácio do Planalto, um office boy, talvez, tamanha a rede de negócios que esse senhor deve operar.
Eduardo Cunha poderá comandar a pauta de votações não só da Câmara, mas do Congresso como um todo. Ele deu demonstração de ascendência sobre Renan Calheiros ao ir ao Senado dizer, em tom de ordem, para acelerar o afastamento da Presidenta Dilma. Suspendeu a pauta de votações da Câmara e disse que realizará sessões deliberativas somente após a aprovação do impeatchment e ponto. Ele tem pressa. E o presidente do Senado, Renan Calheiros, está cumprindo o que disse Eduardo Cunha.
As Medidas Provisórias e os Projetos de Lei anunciados por Michel Temer, que já estão sendo preparados, devem tratar das privatizações do Pré-Sal, dos bancos públicos (Banco do Brasil, CEF, BNDES), empresas do setor elétrico, serviços de saúde pública e educação, e outros e outras áreas, a terceirização, subtração de direitos dos trabalhadores (reforma da CLT), reforma da previdência, serão votados a toque de caixa. Será rápido e comandado por Eduardo Cunha. Afinal, ele é o rei do Congresso, o gerente do golpe.
O Brasil não está sendo vítima apenas de um golpe de Estado institucional, mas de um assalto ao patrimônio público e aos direitos conquistados pela sociedade, comandado por um bandido de alta periculosidade, que fez o Brasil refém dele.
Num eventual governo Temer, o Brasil será retirado do grupo do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e recolocado na malha de negócios dos Estados Unidos e da Europa, num processo de ressubordinação às nações centrais, coloniais.
A Alca (Área de Livre Comércio das Américas), projeto do governo Bush, barrada no governo Lula, deve voltar a ser rearticulada com a retirada do Brasil do MERCOSUL. Isso já foi anunciado por Aécio Neves, na campanha eleitoral, em 2014, e reafirmada recentemente por José Serra.
O Brasil tem mais da metade do PIB da América Latina. Sem o Brasil não há Alca. O Brasil poderá se transformar num mercado consumidor dos produtos dos Estados Unidos, ter sua indústria liquidada, com perdas estruturais de empregos.
Com o agravamento da crise internacional, as nações centrais estão estabelecendo políticas internacionais predatórias para buscar nas nações periféricas compensações de suas perdas econômicas, como sempre acontece com a vinculação empresarial desde a colonização.
Ao longo da história, todas as vezes que o Brasil experimentou projetos desenvolvimentistas com inclusão social, associados a políticas externas autônomas, de projeção da soberania, os governos foram solapados e até derrubados por forças políticas que atuam no país na defesa de interesses externos.
Foi assim com Vargas, quando ele colocou como prioridade de seu governo o fomento à industrialização, à infraestrutura de desenvolvimento e a afirmação de direitos dos mais desfavorecidos; com Juscelino Kubitschek, com seu plano de metas, 50 anos em 5; com João Goulart e as reformas de base; e com Lula e Dilma, com o projeto de desenvolvimento sustentável, tendo o Estado como indutor do crescimento, da redução das desigualdades regional e social, e inclusão dos deserdados no acesso aos serviços públicos e na afirmação de direitos.
Desta vez o golpe não quis saber dos militares, não há mais “Guerra Fria”, não existe mais a ameaça comunista, mas negócios a fazer. Para os negociantes golpistas, militares são coisa velha, atrapalhariam os grandes negócios tendo em vista o fato de serem, em geral, nacionalistas.
O modelo de golpe de Estado institucional faz escola. É cirúrgico, eficaz, fácil de articular. Basta contar com um roteiro, trama e personagens que levem, ao final, às pessoas e instituições escolhidas para serem aniquiladas politicamente, moralmente. Setores do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, se encarregam de dar a forma de legalidade ao golpe.
A narrativa fica por conta da mídia plutocrata, das redes sociais, que plantam ódio, joga o povo contra o governo e enche as ruas, e assim constrói-se a sustentação da opinião pública.
Para finalizar, sem um Congresso corrupto não haverá golpe institucional. O arremate final do tecido da “legalidade” é dado pelo Congresso, como foi feito no dia 17 de abril, quando foi aprovada abertura de processo de impeachment da Presidenta Dilma.
Depois daquele dia, o comportamento do Judiciário, da mídia e do Congresso passaram a ser o assunto mais discutido nas grandes redes de notícia do mundo, como algo bizarro, picaresco, de uma República da vala das nas nações mais atrasadas do mundo.
O roteiro do golpe, tendo a tal da “teoria do domínio do fato”, como a mais importante e poderosa arma para derrubar o governo, está sendo tratada nos fóruns e pela imprensa internacional com jabuticaba, utilizada no Brasil para aniquilar pessoas e instituições, previamente escolhidas, por magistrados, procuradores e policiais, com base em orientação política ideológica. O golpe virou chacota mundo afora.
O jurista alemão, Claus Roxin, que esteve no Brasil discutindo o assunto em algumas universidades, condenou a utilização de sua teoria pelo judiciário brasileiro, por ter condenado, sem provas, pessoas inocentes.
A seletividade política dos órgãos judiciais é explícita. Uma das mais emblemáticas foi o engavetamento pelo Ministério Público, nas gestões dos procuradores Roberto Gurgel e Rodrigo Janot, das denúncias contra o senador Aécio Neves, candidato derrotado nas eleições e um dos principais articuladores do golpe.
A famosa Lista de Furnas e outras denúncas, dormiam nas gavetas dos procuradores. Agora não há mais como proteger o senador. Está confirmado com documentos, em poder do Ministério Público, que dona Inês Maria Neves Faria, mãe de Aécio Neves, é a principal beneficiária da Fundação Bogart & Taylor, no Banco LGT, em Liechtenstein, paraiso fiscal na Europa. Por que a mãe de Aécio Neves mantém uma fundação com contas num paiseco europeu?
Essa denúncia compromete definitivamente o homem que sempre teve e tem microfones e cameras ao inteiro dispor, das maiores redes de mídia do país, para fazer acusações vis, levianas, criminosas, de corrupção, contra muitas pessoas inocentes.
Aécio Neves tenta nomear o ministro da Justiça do eventual governo Temer. Mas um ministro que seja capaz de desarticular a Operação Lava Jato e outras investigações que poderão avançar no sentido dele e de seus correligionários. Com o Ministério da Justiça ele controla a Polícia Federal. Essa estratégia é de interesse de Eduardo Cunha e outros investigados.
Brasília continua linda, com seus gramados e arvores de verde viçoso, de jardins floridos, debaixo de uma imensa abóbada celestial azul durante o dia, e, à noite, coberta de estrelas de infinita beleza, mas testemunhando uma das maiores injustiça da história do Brasil: a condenação, sem crime, da Presidenta Dilma Rousseff, eleita democraticamente com 54 milhões de votos.
Dilma é uma mulher honesta, digna e honrada, uma revolucionária cuja biografia figurará na galeria de nossa história ao lado de outras mulheres também lutadoras pela liberdade, justiça e democracia, como Clara Camarão, Anita Garibaldi, Hipólita Jacinta Teixeira de Mello, Maria Quitéria de Jesus, Maria da Glória Sacramento, Nísia Floresta Augusta, Maria Firmina dos Reis, Chiquinha Gonzaga, Maria Amélia de Queiroz, Leolinda Daltro, Maria Lacerda de Moura, e muitas outras mulheres brasileiras que foram e vão à luta.